Injustiça Desportiva
Adoro esportes. Se tem uma coisa que me emociona é a torcida enlouquecida, gritando o nome de seus ídolos, de suas equipes campeãs. Se minha preferência coincide com a dessa turba vibrante e colorida, vou às lágrimas. Sem pieguice, por favor. Não espere qualquer misericórdia minha para aquela turma que, quando seu time perde, se descabela e chora como se no enterro da mãe estivesse. Aquelas, que a Globo faz questão de mostrar ao vivo e reprisar em todos os noticiários do dia. Não espere tal atitude de mim, nem mesmo quando é o meu time o derrotado, nem mesmo quando é o Brasil. Minha torcida acaba ao final do jogo. Ganhou, ganhou, perdeu, fica pra próxima. Aliás, nem as minhas próprias derrotas em campo merecem tal descalabro.
Mas o esporte tem uma magia que me comove, me envolve. Ver aquele sujeito, quase sempre de origem humilde, subir ao pódio... aliás, já percebeu como os esportes trazem aos holofotes representantes de nossas camadas menos favorecidas? É verdade! Não são todos os esportes: alguns são mesmo de elite, exigem investimento... Mas a esmagadora maioria é bastante democrática e admite gente de todos os níveis sociais. Isto é simplesmente lindo. Assim como é lindo o fato do esporte ser usado como elemento para fomento da cidadania, por entidades que atuam junto aos jovens das favelas, alvos fáceis da criminalidade, vulneráveis à sua sedução ou violência. Embora a arte ofereça menos recursos para, efetivamente criar ídolos, ela anda de mãos dadas com os esportes na proteção desses jovens, conduzindo-os às escolas, em busca de educação. Talvez, somente a fé tenha mais poder do que essa tríade, mas esta, infelizmente, não cria condições de subsistência terrena, conquanto ofereça vida plena no campo celeste.
Porém, uma coisa no esporte me incomoda sobremaneira. Melhor: não é no esporte em si, mas nos organismo e instituições de promoção das competições. É aquela coisa de não se poder voltar atrás e corrigir situações em que o atleta foi visivelmente prejudicado. Como no caso do sumiço da vara de Fabiana Murer, ou, voltando um pouco no tempo, a infelicidade do maratonista, Vanderlei Cordeiro de Lima, agarrado por um maluco enquanto liderava a prova nos quilômetros finais das olimpíadas de Atenas. Isto apenas para falar de dois eventos onde fatores externos alteraram os resultados. Há também os casos em que os árbitros, responsáveis por manter a lisura do processo agem de forma parcial, propositadamente ou não, levando à loucura atletas como aconteceu com o lutador cubano Angel Valodia Matos: em desespero pela atitude pouco ética da equipe de arbitragem que o desclassificou por passar mais de um minuto em atendimento médico, deu um chute na cara do juiz. Alguns atletas também não têm muito forte em si o chamado espírito esportivo. Maradona, por exemplo, até hoje se vangloria por ter usado a mão no gol que desclassificou a Inglaterra na copa de 1986. Diz a piada que quando pedem a um argentino para contar alguma coisa desde o princípio, ele diz “no princípio, eu criei o céu e a terra.”. Talvez por isso, dom Diego chamava o golpe de “la mano de Dios”.
Em alguns esportes, como o tênis, já estão corrigindo essas injustiças, por meio da tecnologia. Pelo menos, nos jogos de Grand Slam, se o jogador acredita que houve erro na marcação de linha de uma bola, ele pode pedir um “desafio”. A imagem é então exibida, e desfaz-se a dúvida. Mas, nos estádios, ao contrário, proíbe-se a reexibição de lances dúbios no telão, para evitar a reação da torcida contra os erros de arbitragem.
Algumas falcatruas costumam permitir a revisão de resultados, às vezes meses depois, como é o caso dos dopings ou a escalação nas equipes, de atletas em desacordo com os regulamentos. Em competições de longa duração, pode-se até rever resultados. Nas outras, porém, quando muito, o injustiçado recebe algum tipo de homenagem “póstuma”, um belo cala-boca.
Nas últimas semanas vinha acompanhando o desenrolar do caso Clodoaldo. Nosso campeão para-olímpico de natação, recordista em tempos e medalhas. Querendo sanar o que considera um desequilíbrio, já que, graças à sua técnica ele tornou-se imbatível, o COI mudou sua categoria para uma com nível de deficiência menor do que a dele. Fazendo um paralelo, seria como exigir que, de agora em diante, Michael Phelps, multi-medalhista olímpico na China, seja obrigado a carregar um lastro de trinta quilos nas próximas competições, para reduzir suas vantagens. No calor da contenda, com tempo, público e agendas, às vezes é mesmo difícil se primar pela justiça. Em prol do espetáculo, passa-se por cima dos erros. Mas, de antemão, decidir-se por uma estupidez dessas é realmente inacreditável.
E é aí que o esporte me fascina mais. Embora tristes, cada um desses atletas apresentou-se com uma dignidade tal, que somente espíritos muito evoluídos poderiam exibir. Clodoaldo, para participar de uma prova de revezamento, onde ainda tem chances de medalha, seria obrigado a fazer uma prova individual: escolheu aquela em que é mais fraco, apenas para não abandonar os companheiros de equipe. Fabiana, embora jure nunca mais voltar à China, pretende continuar treinando e se preparando. Vanderlei ficou conhecido pela sua nobreza, humildade e simpatia.
São exemplos até nessas horas. Sabem que esses percalços fazem parte do jogo, assim como um adversário mais forte. E, se não forem reparados pela justiça desportiva, certamente o serão pela justiça divina. Aos sons das trombetas de anjos e santos, receberão enfim suas medalhas e troféus, diante dos portões do paraíso.
Imagem daqui.