JABOR É O MEU CARMA

Sei não, viu, mas vira e mexe estou eu a lembrar do Jabor, do que ele diz , do que ele faz, no passado, presente e no futuro, que sei lá qual será. Hoje estou eu a lembrar de um filme que andou rodando por aqui , faz tempo. Veja o relato:

De câmara na mão, na condição de assistente de direção de Leon Hirsman, conta Jabor, que certa vez partiu em busca do registro da miséria alheia. Naturalmente, o leitor já sabe onde o Jabor foi dar com os costados. Acertou, foi aqui mesmo no Nordeste. Não sei quantos rolos de fitas gastou, mas pela quantidade de cenas miseráveis registradas, presumo ter gasto tantos quantos Cecil B. de Mille gastou na sua segunda versão de “Os Dez mandamentos”.

Jabor, travestido de Dante Alligheri, descreve a sua visão do Inferno, que seria a rua do Sol, que não era rua, era um beco sujo no fundo de uma favela, duas horas da cidade de João Pessoa, Paraíba. Lá entrou numa casa, onde crianças nuas choravam, outras riam misturadas com os porcos.

Havia num canto da casa um velhinho magro sem o braço direito, engolido que foi pela engrenagem do engenho, que tremia sentando num banco e de quem se ouviam gritos desesperados invocando a morte. No fundo da casa uma velha magra. Pela descrição do Jabor, lembra a “loba” de que fala Dante: “ que de todas as fomes / parecia carregada na sua magra carcaça / e que a muita gente fez já miserável viver”.

Também havia uma mulher – que não era a Beatriz – que gritava: “ Olha, olha no teto! Olha no teto os restos do menino! Ele explodiu e os restos dele bateu nos meus braços e foi avoando para o teto, me molhou tudo”.

A mulher, que não era Beatriz, falava do menino que tinha a cabeça grande desde que nasceu, e ela foi crescendo, crescendo e “ele ficava sempre deitado no caixotinho e a cabeça dele foi crescendo do tamanho de uma melancia e só os olhinhos olhava a gente e tinha um povo que vinha ver e dizia que ele era enviado de Deus e até que ontem foi aquele estrondo forte, juro, e quando olhei tava tudo molhado e até no teto tinha coisa dele grudada!”

Em êxtase diante da miséria dantesca, Jabor copulou com a câmara, contorcendo-se de orgasmo invocando Durer, Grunewald, Kandinski, Beckett, Goya, Francis Bacon, Sófoclaes e outros tantos, tudo registrou ao som da valsa “Danúbio Azul”, que lhe serviu de trilha sonora. Para depois afogar-se no seu próprio sêmem. Filme acabado. Antes do THE END, uma mensagem do Jabor, onde diz estas palavras no idioma paulistano: BRASILIANOS, “ O NADA” É NO NORDESTE.

Sim, brasilianos, somos o resultado da prova dos nove fora: NADA. Foi pensando nisto que fui sentar na soleira da porta da cozinha, de barriga cheia e de onde espichei os olhos pro terreiro sem avistar uma poça de lama, porcos nem galinhas. Também não tinha perto de mim uma criancinha nua , nariz escorrendo, chorando com fome e piolhenta para que pudesse catar.

Sei que nem tudo por aqui são buganvílias, mas o que se há de fazer... Plantar batatas! Dizer não a eleição? Fazer fé nos candidatos e votar “sem medo de ser feliz?”(urg!!!) Premiar Jabor com o troféu “Estrela do Mar” no próximo festival de Cinema?

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 07/09/2008
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