Uma dimensão diferente
Fui obrigada a parar. Parei. O tempo adquire, sim, uma outra dimensão.
Uma hora não passa mais "já", mas "ainda" não passa.
Pássaros vêm e vão no meu quintal, e eu posso vê-los, e eu sei que existem.
Meu cão olha para mim com cara de ponto de interrogação, pois não sabe bem por que é que exatamente hoje ele pode me ver pela janela.
Sinto as nuances da temperatura: esquentou, esfriou, cobri-me e descobri-me, no compasso do inverno e da febre.
O sol lentamente se põe, mas eu não o vejo, apenas percebo que as luzes têm tonalidades diferentes.
Segunda feira, quinta, sábado, não importa - isso é uma convenção, eu vejo claro agora. Sem agenda nem telefone.
Sem hora.
Assim, sim senhora, o tempo vai demorar mais a passar. Demorarei mais para ter 92 anos, se vier a ter. Vendo os pássaros e sentindo os minutos quase que fisicamente sucederem-se no relógio, a luminosidade ficando avermelhada, o cão e seu tempo próprio, o silêncio das tardes sem carros do meu quintal. O telefone mudo.
Cochilar. O chá saboreado a goles vagarosos e, de certa forma, lânguidos.
Os muitos travesseiros que gosto de espalhar pela cama, e que hoje tiveram sua utilidade; não foram apenas um enfeite que atiro para o lado à noite, bêbada de sono. Usei-os, todos, agarrando-me a eles para flutuar sobre a cama, para entender, enquanto navego sobre esse mar de tecido, que só eu posso cuidar de mim. Se quiser terei que fazer uma sopa, terei que ir buscar meu próprio chá. Tocou a campainha, a perua escolar chegou. Tive que ir abrir a porta porque o outro rebento, o que me alertou, provavelmente se esqueceu de que estou em outra dimensão.
Não, não estou carente, sou uma fortaleza, amanhã estarei boa, ótima! Em verdade já estou me sentindo muito melhor. Mesmo porque não posso me dar a esses luxos de ver pássaros no quintal e sentir o toque dos minutos.
"Mãe, que vai ter de janta?"