Visão "Olística"

Certo, eu nem tenho certeza se esta palavra existe. Mas é uma expressão que desde criança eu ouço meu pai proferir, quando se refere ao ato de estudar cuidadosamente o ambiente ao redor. Não faço idéia de qual seria o vocábulo correto mas, enfim...

Dia desses eu fui atacado por um cachorro, enquanto trabalhava. Desciamos um pequeno declive no interior de uma favela, entre um amontoado de casas e barracos, tentando alcançar algumas moradias menos acessíveis. Durante a descida, meu colega e eu tivemos de passar pelo pátio de uma casa e neste pátio havia um cachorro. O animal começou a latir ao nos ver e aparentava estar assustado. Meu colega, mais experiente, avisou-me que o cão podia nos atacar. Ouvi o conselho e fiquei atento. Mentira, sequer dei importância ao que me foi dito.

Continuamos a descer até que chegamos a dita casa, o cachorro assustado sempre correndo a nossa frente e latindo.

Quando finalmente chegamos ao destino, nem reparei que o animal havia ficado para trás. Meu colega reparou, e tornou a dizer-me para que tivesse cuidado. Eu olhei ao redor e nada vi. Dei mais um passo e "pimba", lá estava o cachorro com as mandíbulas presas ao meu calcanhar. Sensação desagradável. A mordida não doía, mas o susto que levei foi grande. Pernas bambas, coração acelerado, consegui espantar o animal enfurecido, que logo foi seguro por uma criança, talvez sua dona. O corte causado pela mordida não foi profundo, na verdade estava mais parecido com um arranhão mas, mesmo assim, ficou a lição.

Horas depois, ao relatar o acontecido para meu pai, fui obrigado a ouvir o velho sermão sobre a visão "olística". O já batido papo sobre ficar ligado o tempo todo, os velhos conselhos sobre ficar atento, essas coisas que os pais sempre falam.

Esses conselhos nunca me serviram de nada, eu tenho a cabeça nas nuvens. Mas mesmo assim, percebo que essa história de visão olística mostra algo mais do que simplesmente ser cuidadoso: A diferença que faz a experiência de vida.

Não só papai, no auge dos seus "x" anos (eu não lembro a idade dele. Que filho exemplar, não?), mas também o outro cara que trabalhava comigo no momento do ocorrido, ambos tem algo que eu ainda não adquiri: Vivência. A malandragem que não se aprende em cursos. Aquele detalhe que os jovens recusam-se a aprender com os mais velhos.

Sabe aqueles dias em que seu pai senta do seu lado, enquanto você está ali na cama com uma bruta ressaca, e ele tenta lhe dar um conselho e você o enxota?

Então amigo, é nessas horas que nós mostramos como a juventude anda de mãos dadas com a arrogância.

Quando jovens, nós tendemos a acreditar que nossos velhos estão ultrapassados. Afinal, nós somos a nova geração, nós somos o futuro do mundo. Eles já tiveram a oportunidade deles. Já viveram o que podiam, já fizeram o que tinham de fazer. Agora é a nossa vez.

Nós só esquecemos que eles já passaram por tudo isso. Talvez de formas diferentes, mas já passaram. Nossos pais já tomaram porres homéricos. Nossas mães já fizeram proesas incríveis pra conquistarem seus namorados. Eles já festejaram, já trabalharam, já estudaram. Lembram daquele ditado que diz: "enquanto você está indo com o milho, eu já estou voltando com a pipoca"? Bem, com eles isso é verdade.

Enfim, chega de exaltar o quão vividos eles já estão, vocês já captaram a mensagem. O que eu quero dizer é que muitas vezes eles virão com conselhos, tentando nos ajudar, e nós iremos desdenhar tais conselhos. É de praxe o jovem achar-se o dono da verdade, o invencivel. Isso até explica a grande quantidade de jovens que pegam seus carros velozes, enchem a cara de cerveja e depois vão se matar em alguma esquina, algum poste ou debaixo de algum caminhão. Eles são os donos do mundo, não? São imortais, eternos, invencíveis. Mas eu aposto que, quase todos os jovens que sofrem acidentes, pouco antes de morrer, lembram-se que seus pais, aqueles velhos ultrapassados e sem conhecimento, aquelas múmias que não sabem de nada, lhes avisaram que seria perigoso beber e dirigir.

É irônico que nós tenhamos professores e nos recusemos a aprender. É ridículo que nossos professores correm atrás de nós e lutem para nos ensinar, e nós fujamos e lutamos para não aprender.

É triste que os professores tenham a experiência e não tenham o tempo enquanto nós, alunos, usemos mal o tempo que temos por não termos a experiência.

Este texto é mais do que uma crônica ou um desabafo. É um aviso: escutem seus pais. Levem em consideração os conselhos deles. Isso vai contra a nossa indole. Vai contra o conceito de ser jovem. Fere o nosso orgulho e nos irrita. Mas sinceramente, eles também já sofreram certos pesares, justamente por terem optado por seguirem o caminho do orgulho.

Enfim, podia ser bem mais fácil se nós simplesmente nascessemos sem esse orgulho bobo, se nossos pais continuassem nossos heróis de infância por todo o tempo. Mais fácil para eles, mais fácil para nós.

Enfim, vamos ouvir as bobagens que os velhotes tem a nos dizer. Não esperem até que um dos calcanhares de vocês seja dilacerado por um vira-latas fedorento para entenderem que a visão olística da qual papai tanto fala é algo realmente importante.