Face marcada
A face marcada pelo tempo... Quanta coisa esconderia, era segredo não revelado. Quem conhece a Vida, com suas alegrias, percalços, sucesso, sofrimento, e todos os outros acontecimentos do dia-a-dia de um passar de anos.
Cada qual carrega dentro de si sua história, que pode ser de altos e baixos, tranqüila ou mesmo atormentada. Os traços ficam marcados na face, não há como evitar. Os lábios podem exibir um belo sorriso, mas o verdadeiro é demonstrado pelos olhos. Não há como fugir.
Era assim o homem sentado na cadeira de vime, barba branca e cabelos cinzentos, vestido como a temperatura local exigia: calças de brim rústico, mas frescas. Camisa branca de algodão leve e sandálias como as que usam os franciscanos, o que ele era na alma, mas não da Ordem. Escrevia num bloco comum sem cessar, parando algumas vezes para não se perder.
O grande copo de uísque já estava pela metade. Quando terminasse, pediria outro e não mais. Escrever ou praticar qualquer outra atividade não combinam com mais de duas boas doses de destilados, e ele sabia disso. As palavras fluíam.
O vento, vindo do mar, além de refrescar a orla, trazia um cheiro de sal, de Vida, de frescor da noite que chegava, quando já as primeiras estrelas, as de maior brilho, eram avistadas por olhos experimentados. Passado um pouco o pôr-do-sol, a crepúsculo vespertino nos permite ver as estrelas de maior magnitude. Mas o espetáculo mais belo de ser visto é o pôr do Sol mesmo.
Caindo pouco a pouco, começa a ficar avermelhado, até atingir uma cor que permite ser olhado sem perigo para o homem. Desce mais rápido, e começa a mergulhar no horizonte, entrando na água do mar, e sumindo da nossa visão em pouco tempo. A claridade é muito grande, e o fenômeno indescritível. Sempre o homem que estava sentado na cadeira de vime parava de escrever, jamais deixava de apreciar o mergulho do astro.
Quando acontece este fato, tanto o nascer como o pôr-do-sol, quem os assiste fica maravilhado; quase todos os fatos acontecidos não têm tamanha importância e beleza. É um presente que nos é dado a cada dia de existência.
Terminado o grande mergulho, o homem que escrevia se foi. Em passos lentos e firmes, desapareceu do lugar, levando seus escritos.
Os locais garantiam que era Hemingway, mas o mestre já havia falecido há muitos anos. Eu também o vi, como ao belo Sol sumindo no horizonte.
Estou delirando? Parece que não. São nossas riquezas ocultas, mesmo...