A SENHORA FALANTE
Não sei se o assado servido de véspera estava sadio ou se foi a cozinheira que exagerou no tempero, o que é certo que fui acometida de uma bruta indigestão indo parar no médico.
Quando estava na ante-sala do consultório, aguardando a vez de ser atendida, sentou-se à minha frente uma mulher. Respondo com um aceno de cabeça a boa-tarde a mim dirigida. A minha cara de poucos amigos, conseqüência da indigestão, não impediu a jovem senhora de tentar estabelecer um diálogo entre nós, que por falta de interlocução passou a ser monólogo, uma vez que nada tinha a lhe perguntar e não me sentia constrangida a não lhe responder concretamente. Também não tinha certeza se ela estava a falar comigo ou dirigia-se a si própria. O que sei é que em curto espaço de tempo sabia eu toda a sua história de vida.
Dizia-se bem casada e deixava transparecer um sentimento mesquinho de inveja pela ascensão funcional do marido, que embora redundasse em bem-comum, sentia-se ofuscada por essa ascensão.
Dizia-se fiel ao marido, mas alimentava o desejo de traição
Dizia crer no amor e pregava a inexistência de tal sentimento.
Dizia-se filha compreensiva e transferia aos pais a responsabilidade de suas carências.
Dizia-se irmã amiga e fomentava entre eles, a discórdia.
Dizia-se amiga dos seus amigos. Sem nunca ter sido
Da minha indigestão sabia que do especialista que esperava, estava a precisar, mas analisando a jovem senhora falante, diria que ela estava mais para uma indigestão de caráter existencial. Para mim, por certo, seria receitado alguma mesinha que produzisse a eliminação das matérias orgânicas. Para ela, seu eu fosse médica, recomendaria a catarse hipnótica, que produziria a ab-reação dos elementos mentais.
A porta do consultório foi aberta e o meu nome anunciado. Entrei. Deixando para trás a senhora falante, que a essa altura já mantinha com uma outra paciente o mesmo ritmo de conversa de que fui vítima.
Di