Retrato Cômico de Uma Situação 3: Mãos Pro Alto! Isso (de novo) É Um Assalto!

** A Crônica à seguir foi inspirada em fatos reais e em uma revista em quadrinhos que fiz em março de 2003. Alguns fatos foram atualizados e modificados para os dias de hoje.**

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Jornal “Dois Quilos e Meio”

(Edição do dia 31 de fevereiro de 2008 do 9.)

O Rio de Janeiro está em guerra!E isso, meu amigo já não é novidade para você, para mim e para os duendes das florestas há muito tempo!

É só você sintonizar a sua televisão em qualquer telejornal da hora do almoço, janta, ou naqueles que passam de madrugada quando você está preocupado em assistir canais mais pesados, que poderá presenciar uma enxurrada de notícias sobre, essencialmente, assaltos, roubos, explosões, estupros, neguinho que matou num sei quem. Fulano que matou Beltrano. Rapaz que seqüestrou não sei quem por que desconfiava ser corno...Resumindo,esse mundo tá perdido!Completamente perdido!Perdidaço!

É comum as pessoas andarem nas ruas com medo. Mais comum ainda, cumpadis,são as pessoas não saírem mais a noite com medo de serem rendidos por pivetes,ladrões,ou,simplesmente,traficantes.Para se ter uma idéia,o número de assaltos aumentou quase que o dobro em alguns bairros da zona sul carioca. Está impossível sair na rua sem ser assaltado ou surpreendido por algum pedinte com más intenções.

São diversos os problemas que enfrentamos. E em entrevista à um estudante de um colégio particular conceituado do bairro de Copacabana, ele fez uma denúncia de algo que parece ser ignorado pelas autoridades. Óbvio que vamos manter o sigilo do aluno, digamos que seu nome é Fábio C....Não, assim fica muito óbvio, o nome dele é F.Carvalho. pronto, melhorou.

Enfim o tal estudante deu o seguinte depoimento:

“-Não sei como pode. Como não viram ainda esse problema que ronda a cidade? Esses engraxates são todos falsos! Tudo fingimento! Eles te param, limpam seus sapatos e aí te assaltam. Já caí nessa quatro vezes. Duas no centro e outras duas aqui em Copacabana. Um me parou e pediu pra testar um produto novo em meu tênis. Estranhei pois o tal produto novo estava dentro de um tubo velho de desodorante. Mas deixei, afinal meu t~enis estava sujo mesmo. O cara foi conversando. Dando uma de bom moço. Sorrindo, puxando conversa, e tal. Aí, quando acabou ele disse o preço. Disse três e vinte. Achei caro, mas pela boa conversa resolvi pagar. Abri minha mochila e tirei três Reais e cinqüenta centavos. Quando o entreguei ele me olhou erguendo sua sobrancelha. E disse que não era três e vinte e sim TREZE e vinte. Eu dei um passo para trás. Muito caro. Mas quando olhei, ele segurava uma faca. As pessoas nem notaram que eu estava sendo assaltado. Resultado disso? Foi a engraxada mais cara da história. Acabei perdendo os últimos cinqüenta Reais da minha carteira. Desde então quando vejo um engraxate se aproximando, simulo ataque epilético ou choro. E tem dado certo.”

Realmente comovente.

E não pára por aí. Assaltos cada vez mais atrevidos vêm sido praticados. São ladrões que invadem residências. São roubos à igrejas, à patrimônios públicos. Gente, já roubaram os óculos da estátua de Carlos Drummon de Andrade diversas vezes. E esses dias roubaram o Bilau da estátua do mascote do time do Botafogo. Só por que era de bronze. Onde vamos parar.

Sem contar que os assaltantes estão ficando abusados demais. Agora querem até escolher. Foi o que nos contou o auxiliar de coveiro de dezoito anos, Raimundinho “Tudo Bem” de Souza:

“-Rapaz,te contar. Eu estava saindo de um clube lá na Tijuca,sabe. Eu e um colega meu o Thiaguin. A gente estava saindo era umas três da tarde e estávamos caminhando em direção a rua Campos Sales, próximo ao Clube do América. Aí surgiram dois rapazinhos, não sabe. Um em cima de uma bicicleta e o outro a pé mesmo. Se aproximaram de nós dois e o que tava à pé já chegou chamando a gente de playboy e chutando nossas pernas. Eles gritavam “Me dá o celular! Passa o celular! Passa o aparelho celular.Passa o telefone Móvel” E a gente sem reação. Nunca tinha sido assaltado, Bichin!e nunca haviam achado tantos nomes para um mesmo objeto. Meu amigo não tinha celular, entregou a mochila para que o da bicicleta procurasse. Enquanto isso o outro pedia o meu. Seria o segundo celular que eu perderia. Passei meu celular pra ele. Ele olhou. Virou, olhou de novo, apertou algumas teclas. E enfim, teve a atitude que me surpreendeu. O filho de rapariga me devolveu o aparelho. Eu arregalei os olhos, Thiaguin e o outro assaltante também. Aí ele olhou para o comparsa e disse que meu celular era muito grande. Disse assim mesmo: ‘Olha o tamanho disso! Não vale a pena! Amos embora!’. É mole? Devolveram o aparelho. Me senti humilhado. Talvez até mais humilhado do que se ele tivesse roubado minhas coisas, abaixado minhas calças e mandado eu cantar Dancin Days! Esse Rio de Janeiro está perdido. Vixe Porra!”

Complicado, não?

Em entrevista exclusiva ao nosso jornal o delegado Davi Ado disse que tudo isso é uma situação complicada. E que vai chegar um dia que nem o BOPE vai conseguir romper essas barreiras que os traficantes estão erguendo na sociedade. Breve estaremos entrando em guerras civis tipo as que ocorreram na Colômbia. E a dos super heróis da Marvel.

O delegado ainda disse que não se deve reagir a um assalto, mas sim tentar conversar com o assaltante. Fazê-lo sentir que você é amigo e que está tão ferrado como ele. Relatou que certa vez um rapaz tentou assaltá-lo no ônibus. Ele foi conversando com o meliante. Contando que não tinha dinheiro, nem carteira, nem nada. E que estava apenas indo para a escola. Nesse momento o rapaz abaixou a arma, colocou-a dentro de suas calças e começou a parabenizá-lo por estar indo para escola, pois ele abandonara cedo e desde então estava na vida do crime. Os dois então mantiveram um papo amigável até a hora em que ele desceu próximo ao morro dos macacos em Vila Isabel.

Mas o que mantém esses assaltantes na ativa? O que os impulsiona? Muitos dizem que é a adrenalina. Outros dizem que é uma falta de projetos sociais realmente bons. E a grande maioria se divide em falta de vergonha na cara e dinheiro da venda de drogas. E realmente a venda de drogas vem crescendo no estado.

Estimasse que as bocas de fumo das favelas mais movimentadas arrecadem por mês cerca de quatrocentos mil Reais e as vezes o dobro disso em apenas uma semana. Dinheiro suficiente para que mantenham suas vidas de luxos, apesar de breves. Pois a maioria destes chefes dói tráfico e até mesmo os soldados morrem antes dos trinta e nem se quer podem sair da favela quando vivos. Mais ou menos como os chineses,sabe? Trancam-se em um mundinho fechado acreditando terem de tudo lá dentro. É dinheiro suficiente para subverter autoridades, crianças e jovens a procuras de realizações impossíveis.

E o número de dependentes químicos também tem crescido. E também o número de crianças que estão se tornando dependentes. É impossível não ficarmos pasmos com o número de crianças que hoje pedem dinheiro nas ruas para comprar Crack, uma droga completamente maléfica e cinco vezes mais potente que a cocaína.

Um repórter esteve no cemitério entrevistando a mãe de um jovem que morrera de overdose de cocaína semana passada na baixada fluminense. Ela contou emocionada que o filho estava fora de controle. Que um dia chegou em casa e o viu cheirando o chão. Estava com o nariz enfiado no chão como um cachorro inspecionando o dono que chegou de fora. Quando se aproximou, viu que havia um pó cinza no chão e que ele havia cheirado a maior parte. Desviou o olhar para cima da cômoda no canto da sala e viu o pote das cinzas de sua bisavó. O rapaz cheirou a própria bisa! Fez carreirinha e tudo com os restos mortais. Parece piada, mas é muito sério.

Ela contou ainda que o filho era usuário de crak também e quando sob o efeito afirmava que não sabia escrever KGB e que o governo Israelense viria até ele roubar seu útero masculino. Resultado disso? Morreu aos dezenove anos e virgem.

O que cresce também na cidade é o número de facções. Um verdadeiro poder paralelo surge cada vez que uma nova facção nasce assim, fazendo uma guerra dentro da guerra. Uma prova dessa guerra de facções foi o que aconteceu com a doce Chapeuzinho Vermelho que, por morar em uma área pertencente à facção Amigos Do Crime, teve que parar de usar seu chapéu vermelho por ser considerado uma alusão a outra facção!

E é com esse dinheiro das drogas que os traficantes aumentam seus armamentos. Cada dia mais eles estão utilizando armas cada vez mais pesadas e dignas de guerras! Não me admira que um dia algum ameace a cidade com uma bomba nuclear caseira de efeito moral.

Fuzis, granadas, bazucas... hoje vemos em nossos telejornais locais armas que antes só víamos nas mãos do Rambo ou do Chucky Norris. Hoje essas armas estão cada vesz mais comuns nos confrontos entre traficantes e policiais.

Por exemplo, o Complexo de Favelas do Alemão, zona norte do Rio. Lá se encontram dezoito favelas misturadas e a renda com venda de drogas por lá é de 3,5 milhões de Reais por mês. Dito isso, os armamentos são compatíveis, pois as armas vão de semi-automáticas à metralhadoras anti-aéreas que podem derrubar helicópteros, aviões e, quem sabe um dia, dragões.

E com mais armas, mais balas perdidas sobrevoam o céu azul da cidade maravilhosa. Estimasse que de janeiro de 2006 e setembro de 2007, 35 pessoas morreram e 423 ficaram feridas por balas perdidas. O número de vítimas por balas perdidas nas duas maiores cidades brasileiras superam o número de vítimas da Guerra Civil no Líbano entre 1975 e 1980. Em uma atitude completamente inédita,ousada e sem nexo. A nossa redação convidou um cientista para que ele imaginasse o que uma bala perdida teria a dizer sobre as constantes acusações sobre ser uma assassina do caramba! O texto à seguir é uma síntese da obra de duas horas de fala incansável:

Bala perdida: “-Esse papo de que nós é tudo inimigo é cão, certo? O que é pior, uma bala perdida ou uma merdas perdida? Hein? Você prefere ser atingido por uma bala perdida ou por uma cagada de pombo? Lá no céu ta cheio deles e eles fazem cientes de que estão fazendo. Se der mole até miram na boca. Nós balas perdidas não. Nós caímos pois a gravidade é que manda, ta ligado. Pombo é safado. Ficam mexendo a cabeça direto como se fossem retardados só pra disfarçar. Na primeira oportunidade eles abrem fogo. Principalmente nos calvos! E enquanto isso vocês fica perseguindo nós! Vocês acham que sou bala perdida porque quero? Por mim seria bala de café, ou sei lá, alguma coisa com mais status. Se hoje sou uma bala perdida é por que a sociedade me corrompeu.”

Mas e aí? De quem seria a culpa? Dos viciados? Das autoridades que colaboram com o tráfico. Da sociedade? É difícil encontrar culpados. O que é fácil é encontrar pessoas sendo assaltadas. Veja um trecho de uma gravação feita em um telefone público. Um rapaz vinha caminhando pela avenida Rio Branco quando escutou um telefone público tocar. Atendeu e olha o que é que deu:

RAPAZ: -Alou! Quem fala.

X: -De onde fala?

RAPAZ: -Gostaria de falar com quem?

X: - Com você mesmo. Só queria fazer uma pergunta.

RAPAZ: -Opa, pode fazer!

X : - Você está viu algum guarda por aí? Preciso fazer uma denúncia.

RAPAZ: -Não, não vi não.

X : -Então vai passando tudo sem chorar! Se gritar eu meto bala!

(silêncio de trinta segundos).

RAPAZ: -Qual a denúncia? Quer que eu procure um guarda?

É fogo! O Rio de Janeiro se tornou um estande de tiro onde por tudo se atira, por tudo se mata. Será que estaremos fadados a nos prendermos dentro de casa tendo como única diversão a internet? As programações à cabo?

Ou será que poderemos sonhar um dia viver em um lugar como o lugar em que nossos parentes dizem terem vivido. Um lugar onde podia se ficar nas ruas madrugada a dentro sem ser assaltado ou seqüestrado.

O que falta no estado é vergonha na cara. O que sobra é armas. E acho eu que não há muita coisa de cômico nisso!