Caminho de Santiago da Compostela
Em setembro de 2004, juntamente com minha esposa Cristina, vivemos a experiência mágica do Caminho de Santiago de Compostela. Na fase de preparativo, além da escolha do calçado adequado, das roupas, da mochila menos pesada possível, li uma gama de publicações sobre o Caminho. Li inicialmente “O Diário de um Mago” de Paulo Coelho, “O Caminho” de Shirley Maclaine e tantos outros. A cada um que lia, mais me parecia que o caminho era uma fantasia, segundo as concepções de cada uma dessas pessoas famosas.
Finalmente, a chegada ao sopé do Pirineus na centenária Colegiata de Roncesvalle, um monumento vivo que sobreviveu à conduta irascível dos homens belicosos. O nosso ponto de partida para os 800 quilômetros de caminhada. Ao participar da cerimônia da partida, ao receber a credencial e iniciar a caminhada por uma estreita estrada ladeada por cipreste e carvalhos, fomos transformados em “PEREGRINOS”. Peregrino uma palavra derivada do latim “PER AGROS” que significa: aquele que caminha pelos campos. Caminhamos pelos Campos das Estrelas, e se é de estrela é de sonhos, e no principio, sempre predomina os sonhos e a ansiedade.
No inicio da caminhada me veio à mente, os homens da era pré-cristã fazendo aquele Caminho, seguindo a orientação das estrelas, daí o nome Compostela – campos de estrelas –, que para eles, era um Caminho Iniciático, tendo por mestra introdutória a natureza. A natureza foi a mestra dos primeiros iniciados, já que os primeiros, não tiveram homens como mestres e a natureza sempre foi uma fonte de sabedoria às pessoas sensíveis aos seus conhecimentos.
Cumprido um terço inicial da caminhada, após atravessar a milenar e frondosa Comunidade da Navarra, os belíssimos vinhedos da Província de La Rioja, adentramos a Palência na Comunidade de Castella e Leon, onde, apesar da riqueza arquitetônica, experimentamos a monotonia dos campos de trigo e de girassol. Dentro dessa monotonia, com um pouco mais de experiência e com os pés fervilhando em bolhas, recordei da história dos primeiros Cristãos que por ali passaram, seduzidos pelas promessas de perdão dos pecados e de busca da salvação eterna, caminhando descalços ou com calçados rudimentares sobre as pedras pontiagudas, sob o sol, a chuva e a neve sem a certeza de chegar ao destino final e de regressar aos seus lares. Revivi também, por quando ali passei, a convivência entre os Cristãos, os Muçulmanos e os Judeus, tolerável quando lhes convinham e belicosas quando um ameaça o poder do outro.
Vencido a aridez do terço médio, a Galicia com seus riachos, colinas e uma vegetação bela, variável e exuberante nos recebiam de braços abertos para o terço final da caminhada. O cansaço e as dores se faziam presentes, e ao mesmo tempo, eram camufladas pelo prazer de ter cumprido a maior parte da jornada e a esperança da chegada iminente. Na beleza impar e aconchegante da Galicia, refleti sobre os milhares de pessoas de hoje que recorrem ao caminho como um instrumento de busca de si próprio, numa tentativa de encontrar uma explicação e significado para vida, se esquecendo que o dia que encontrarem sentido para a vida a vida não terá mais sentido.
Quando passamos pelo Monte do Gozo, nos 4 quilômetros finais, antes da chegada à catedral de Compostela, conclui que aquelas pessoas famosas que fizeram o caminho e escreveram livros como Paulo Coelho, Shirley Maclaine e tantos outros que li antes da peregrinação e que acreditei que era pura fantasia; era a na verdade a história de seu caminho, com os sonhos, as fantasias e as realidades, vistas por eles. Eu também, da minha maneira, estava escrevendo minha inacabada história de sonhos, fantasias e realidades.
Ao adentramos a praça que dava para a suntuosa Catedral de Santiago de Compostela, com humildade reconheci que aquele caminho de 800 quilômetros percorrido por Cristina, por milhares de pessoas e eu era a réplica mais perfeita da vida que conheci. Uma seqüência de riachos, cachoeiras murmurantes, bosques, trigais, vinhedos, catedrais com o repicar de seus sinos e obras de arte, alternados com intempéries, com dores e dificuldades de quem a pé e com a mochila na costa tem que vencer a distância. O caminho é o mesmo, mas, cada pessoa possui uma maneira diferente de caminhar e de ver o caminho. Assim é o Caminho, assim é a Vida.