Às Nuvens
Sento-me agora para contar. Quantos meios tem o conto? Números, histórias, lembranças, mentiras – essas, tão sólidas, remetem-me ao inesperado (e ainda dizem que não posso brincar com elas). Enfim, por entre o conto dou vida ao que vivi. Exato: vida ao que vivi – ou será que concebem vocês vida como fora de si? Digo: essa narração somente agora toca os olhos teus; é por isso que somente agora vive. Classifiquemos você, ó deusa: vida.
Antes que se cansem do que digo, tentarei prosseguir e voltar ao meu enfoque, enfoque esse que nunca é o verdadeiro, mas serve como motivo abstrato para que se leia o que digo; para que se viva o que digo.
Via, naquele feio dia de chuva, correr Valjean como um louco, de um lado para o outro, e saudar as nuvens, como se Deusas fossem. Perguntei a ele então: que pensas, ó louco ermitão? Tu que negas o céu agora o endeusa? Disse-me ele: “as nuvens, ainda que estáticas, serão sempre felizes e belas.” Creio que não seja necessário, mas direi novamente a dificuldade que tenho para compreender o que pensa esse louco rapaz, que às vezes parece dizer coisas sem sentido. Normalmente não costumo questionar: entendo qualquer besteira que se pareça óbvia para o momento e sigo em frente. Nesse dia, contudo, sentia-me inspirado, e gritei: Finges! Sim, finges! Seu louco. Por que não diz realmente o que pensa? Sei o porquê. É porque não sabes o que dizer; então inventa, então cria algo louco e abstrato e simplesmente joga pra fora, e pensa: “haha, como há tolos que acreditam haver mais do que simples palavras”. Valjean, como quem não se submete à energia das palavras, virou-se, e, sóbrio, disse: “Há beleza. A beleza se desfaz, porque não é eterna, ouvi dizer alguém, Gates. Mas, será? Olha as nuvens, tolo. As nuvens são belas e eternas, porque, estáticas, não se preocupam em mostrar o que são: simplesmente são.” Talvez, em uma rápida interpretação, eu não entendesse a ligação entre a loucura de Valjean (em sair correndo num dia tosco de chuva a elogiar as nuvens). Todavia volto. Sim, volto milhões de vezes se for necessário. Volto, mas não com os olhos de vocês que agora lêem, mas com os olhos de quem ouviu. E esse moço, louco à procura do nada, em deleite no meio do trincar das gotas d’água n’água, em desassossego por regozijar-se com o não existido, olhou em meus olhos e disse: “A vida é bela, meu amigo, e não precisa de sentido algum. É como as nuvens: elas vivem e não sentem; são felizes e não entendem. Amam os seres, mas nunca serão amadas por ser algum. Caia, ó chuva, mostra que as nuvens tanto nos querem! Faz isso, mas depois se recolhe. Por favor, não pensas em voltar ao céu. Por favor, nunca considere isso! Ouvir o que os seres pensam, saber o que eles sabem, só isso seria motivo suficiente para um estalar de bocas, e, quem sabe assim, confessasses uma não confissão às pobres nuvens. Tão belas, tão quietas: nuvens.”