PENSE ANTES; COM SUA PRÓPRIA MENTE.
Quando uma parte da mente deixa de atender aos nossos desejos, sentimos uma estranha sensação; de total desorientação. De frustração, de pavor absoluto. Dependendo do desejo não atendido pela nossa mente rebelde – “logo a minha própria mente!” reclama Vulpino Argento, o demente, e agora paranóico – esse pavor absoluto toma dimensões que não cabem dentro da gente e a força busca uma saída, seja por onde for possível. No caso de um desejo físico, como por exemplo saltar, sem nenhum esforço, dez metros de distância ou levantar duzentos quilos ou algo mais, digamos pessoal, como um apêndice de nós mesmos, e a mente não atender, o estrago pode ser arrasador. No caso de ter-se um desejo por primitiva necessidade, como comer e beber, por exemplo, e a mente não ter nenhuma vontade de fazer isso, dizendo que está sem apetite, da-se um jeito. No caso de ter-se que ter uma “idéia”, por obrigação de ofício, para cumprir um prazo determinado, como por exemplo quando numa Agência de Propaganda tem-se que escrever um anúncio, com um bom título, para entregar daqui a pouco, e a “idéia” não vem, o corpo inteiro dói. O tempo não para, segue inexorável em direção ao prazo final e a “idéia” não vem. Nesse caso as conseqüências podem ser irreparáveis; o cliente anunciante troca de Agência de Propaganda e o dono da Agência troca de redator. Numa emissora de rádio e de televisão o tempo é mais cruel porque é mais preciso, pontual. Mais do que em outro lugar qualquer, tenho a impressão. Não há lugar nesse planeta onde o tempo seja mais preciso e o minuto tenha exatamente 60 segundos. Sobretudo no horário dos noticiários. Nesse caso não é ter-se uma boa idéia o que conta, mas sim fazer as notícias caberem dentro dos minutos disponíveis e tudo ficar pronto e acabado a tempo e a hora de ir para o ar. Acho que foi aí que algum marqueteiro disse que tempo é dinheiro.Em jornais o “fechamento” é uma deliciosa tortura. Pelo menos era assim há alguns anos; hoje não sei, mas sei que as coisas mudaram e a tensão não é mais a mesma e que os computadores encolheram o tempo. Mas a limitação de espaço para as matérias jornalísticas, essa sim, se não for ainda a mesma, é pior, haja vista a quantidade de anúncios, colunas de assuntos inúteis e de matérias pagas que tomam conta das páginas as escondidas. Já passei por tudo isso e tive centenas de “bloqueios criativos” que é como bem chama essa trava mental o escritor Paulo Waimberg numa de suas crônicas, uma das melhores definições que já li sobre essa brutal sensação de impotência, em todos os sentidos, capaz de levar os mais despreparados, ou não tão bem preparados, a cometerem suicídio intelectual. Não é o caso dele, que sempre escreve muito bem humorado: “Bloqueio criativo é quando, apesar de sobrarem palavras, você não consegue juntar uma com a outra. Ou consegue mas não sabe para que servem”. O “bloqueio criativo” é tão terrível que muitos bons textos foram jogados fora, só porque o escritor estava sentindo dentro da cabeça o que sentia no interior da boca cada vez que comia manga verde. Tão terrível é essa sensação que toneladas de letras enfileiradas em quilômetros de palavras não servem para nada; são um verdadeiro amontoado de insignificâncias agredindo a gramática da língua mãe. Os escritores exigentes e honestos jogam tudo no lixo; quem é esperto, porém, edita livros e mais livros,como num passe de mágica; como um mago.E faz sucesso.
Disse a pouco, algumas linhas acima, que já havia passado por centenas de bloqueios criativos. Verdade. E ainda não me livrei deles. Acontece que aprendi o que fazer quando eles me ameaçam: mudo de assunto. Esses bloqueios, que às vezes duram meses, anos até, nessa quadra da última rodada do nosso campeonato mundial de vivências, estão a indicar que não somos fontes inesgotáveis de coisa nenhuma. Somos fontes não renováveis de algumas idéias que esgotam-se em sim mesmas, como de resto tudo no universo. Umas duram mais do que outras, são mais bem abastecidas, com mais consistência. Outras, dessas fontes, a grande maioria, são de pequenas reservas de palavras precárias que quando são desbloqueadas “você não consegue juntar uma com a outra”. E há as que, quando liberadas, se “consegue (juntar) mas não (se) sabe para que servem”.
O que os especialistas chamam de “vasta obra”, como são as de Machado, Borges, Camões...certamente foram produzidas em meio a bloqueios criativos, assim como são, ou foram, as produções de muitos outros escritores, cujas obras não são tão vastas, imaginando estar à míngua de talento e de relevância. O “bloqueio criativo”, certamente, pode ser, ainda que paradoxalmente, uma verdadeira bênção para muitos escritores e para quem extrai dos neurônios o original, o inédito, pois ele é um dos níveis de reflexão da mente; como se fosse uma pausa inteligente a dizer: dá um tempo, pô! E por ser inteligente e dono de si, desaparece como que por encanto e deixa desvendar outras idéias, geralmente brilhantes. Aprendi com Vulpino Argento, o demente, e agora paranóico, que diz: “como é que eu não pensei nisso antes com minha própria mente?”