A JOANINHA E O ANO NOVO

Quando vi o bichinho, ele estava andando pela caixa de sapatos jogada num canto da varanda. Parecia uma joaninha sem as bolinhas coloridas nas costas. Era manhã do primeiro dia útil do ano.

Num intervalo da chuva, “meio que” desistindo de continuar o trabalho que parecia interminável, sentei na mureta da varanda. A caixa estava vazia, os sapatos já estavam em uso.

O bichinho subiu pelo lado da caixa, vindo não sei de onde e passeou por toda a tampa. Sem nada encontrar que lhe despertasse interesse, continuou andando. Não corria, mas era rápido sobre as seis perninhas delicadas. As duas antenas irrequietas sentiam para todo lado. Chegou a uma extremidade da tampa onde o papelão já rasgado espetava pontas para todos os lados. O bichinho examinou tudo cuidadosamente, subiu numa ponta, desceu pela outra, voltou... parecia intrigado. Também aí não achou nada interessante. Ia até o extremo das pontas e esticava o corpo pr’um lado e pro outro... e ainda nada que valesse a pena.

Voltou à extensa planície monótona da tampa e iniciou um novo passeio. Primeiro em círculos (que sendo formas perfeitas talvez a auxiliassem a decidir o que fazer) depois atravessou em linha reta até a outra borda. Então parou e descansou longamente. Saudade dos amigos? Acho que até cochilou.

Voltou a se mexer. Decidiu-se pela esquerda e foi em frente. Foi muito esforço para atravessar pelo papelão rasgado que separava dois “continentes”; era o estreito de Gibraltar da caixa. Deu voltas pra cá e pra lá e... surpresa: chegou ao mesmo lado arrebentado que já conhecia. Estava outra vez se esticando sobre o despenhadeiro. Será que vai pular? Atrevimento ou suicídio? E porque insiste em voltar a esse lugar? (Dizem que o criminoso costuma voltar ao local do crime, mas ela nem tem tamanho pra ser culpada de alguma coisa).

Apareceu uma formiga curiosa; chegou, parou, cheirou e foi embora. Essa é mais prática.

Cheguei mais perto e pude ver a joaninha de uma cor só: toda marrom. Bonita. A cabeça vista de cima era o próprio capacete do "Darth Vader" (de “Guerra nas Estrelas”). A idéia até que combina, pois, estamos falando de uma guerreira.

Upa! Quase caiu. Agora, fazia esforço para alcançar uma folhinha da trepadeira dependurada com que o vento brincava: encostando e afastando-a da caixa de sapatos. O paciente bichinho parecia aguardar uma oportunidade pra se agarrar. Ohhh! Quase caiu... Outra vez... Conseguiu! Agarrou-se à folha e passou do árido papelão para a planta que o vento amigo, agora afastava da caixa de sapatos. Ela subiu pela folha, passou por vários raminhos e, num ramo mais grosso, deve ter encontrado o que tanto procurava. De cabeça baixa, parada, (depois de tomar fôlego?) parecia saborear algum quitute. As antenas sempre alertas. Afinal, teve sucesso em mais essa jornada.

Deixei o bichinho com suas preocupações e fui cuidar das minhas. Eu, também, precisava encontrar um meio de passar da caixa vazia para um lugar melhor...