Entrudo na aldeia
Era naqueles anos idos de sessenta, em que o mundo começou a mudar, em que a lua deixou de ser apenas um sonho para os corações apaixonados, em que os jovens ousaram fazer ouvir a sua voz e a sua revolta, em que os Beatles mudaram toda uma geração...
Mas na minha aldeia, em que os dedos de uma mão chegavam para contar os aparelhos de televisão, e os das duas chegavam para os aparelhos de rádio, as notícias chegavam devagar, mas iam chegando.
Tudo rodava com calma, ao ritmo das estações do ano, das festas tradicionais das aldeias vizinhas, e das festividades sazonais, uma delas que as crianças esperavam mais ansiosamente, era o Carnaval, que nós chamávamos de Entrudo.
Não sabíamos de desfiles de escolas de samba, nunca tínhamos ouvido falar do Carnaval brasileiro, nem tínhamos assistido a corsos carnavalescos com actores brasileiros como reis do Carnaval, pois que nem sequer telenovelas brasileiras sabíamos que existiam na época, mas tínhamos as nossas próprias maneiras de brincar ao Entrudo.
Os jovens reuniam-se em casa de um deles, e então combinávamos cuidadosamente qual a "máscara" de cada um, e digo entre parêntesis, porque não tínhamos máscaras, o que nos servia para fantasiar, era a roupa dos pais, das avós, o vestido de noiva da vizinha...então decidido qual a fantasia de cada um, começava o "assalto" á arca da roupa dos familiares, em busca dos adereços adequados, e cada qual se revestia da personagem escolhida.
Uma era a noiva, outra a velhinha, os meninos, vestiam-se de pedintes, velhos coxos, enfim cada um se fantasiava nas suas personagens favoritas e conforme a roupa e a ocasião assim o ditassem.
Apenas uma coisa era essencial: formado o cortejo, pelas ruas da aldeia, visitando casa por casa, a identificação de cada um, era um dos segredos mais bem guardados, e os comentários dos vizinhos provocavam as mais hilariantes gargalhadas, ao confundirem uns com os outros, apenas com base em pressupostos como altura, ou algum outro detalhe esquecido.
Então como recompensa pela diversão proporcionada, todos nos ofereciam algum presente, geralmente comestível, ou dinheiro, podiam ser ovos, chouriço, frutas, ou outros.
E o desfile findava então em casa de um de nós, fazendo um lanche geral, com os presentes ganhos, no qual todos ríamos e contávamos vezes sem conta, as peripécias da tarde.
Eram assim as nossas brincadeiras carnavalescas e desde ontem nunca mais me diverti assim inocentemente no Carnaval, pois que ver os outros rir e brincar, ficando apenas a olhar numa bancada ou atrás de um aparelho de televisão, não faz parte dos meus ideais de diversão.
Arlete Piedade
21/02/2006
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