PÉ DO OUVIDO
Quem nunca apanhou dos pais quando era criança? - pergunta a moça. Os que têm mais de trinta, turma a qual faço parte, levantam as mãos em uníssomo. Alguns outros, os da casa dos vinte e poucos, preferem falar disso ás terças e quintas no divã do terapeuta.
A palestra era sobre “a violência na infância” e a palestrante se preparava para mexer no vespeiro, pois muitos dos que estavam ali, eram pais e utilizavam à política das palmadas, vez ou outra, em seus filhos. Eu ainda sou música do Ira, e sendo apenas filho, rezo ao Deus que envia os bebês pelas cegonhas, que se um dia eu tivesse um guri, nunca precisasse usar a força para ensinar. Pois apesar dos trinta e poucos, ainda ontem eu era menino e meu pai não era muito fã das palavras, preferia resolver tudo no grito e nas pancadas.
Fui criado á moda antiga, o que em lares formados por casais sem tanto acesso a educação e aos livros, era sinônimo de um valor ( o dos pais) e duas medidas ( não e eu já falei que não), princípios da pequena ditadura que é o lar de uma família mediana, quando somos pequenos. Como cada criança tem o sangue meio rebelde e é meio Che Chevara, minhas pequenas revoluções sempre acabavam em surras.
Palmadas, chineladas voadoras, puxadas de orelha, cinturadas na bunda, eram tantas as armas de tortura, que eu chorava antes mesmo de levar a “peia”, a sova, a pisa e outros tantos nomes que fazia parte do dicionário de um filho de nordestino. Meu pai não tinha o menor remorso e dizia com orgulho aos amigos: “ moleque danado tem que levar pancada no pé do ouvido para ficar adulto sério”.
Por Favor, não pensem nada de errado do meu velho. Ele era um homem bom, só usava um meio tradicional e violento demais para educar seus filhos. Eu também não era flor que se cheirasse, pelo contrário, estava mais para urtiga, pois era ruim de dar dó, dó das pessoas que eram vítimas das minhas travessuras. Claro, que nada justifica as palmadas educacionais que eu levava, mas talvez porque meu pai não tinha acesso a livros do tipo “ dez principais maneiras de educar o seu filho e transformá-lo em um jogador de sucesso” ou outros manuais de criar moleque danado; digamos que minhas rebeliões eliminavam a já curta paciência do meu velho e as minhas aventuras, que eram inúmeras, sempre acabam na chinelada.
Contudo, aprendi várias coisas como meu pai, e a principal delas ( a que ele nunca praticou comigo) é que a educação de uma criança se faz com palavras e não com pancadas. Apesar disso, cresci para me tornar um homem e espero me tornar um pai, sem continuar essa tradição meio burra de achar que certas coisas se resolvem mesmo com violência, ainda que numa "inocente" chinelada.
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