O Chapecó, no sábado

O CHAPECÓ, NO SÁBADO

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 03.09.2008)

No sábado, às 18 horas, o lugar já estava lotado. Gente saindo pelo ladrão. Um povo todo lá para assistir pela TV de plasma, em pay-per-view, o jogo de futebol que começaria em meia hora. E para beber uma cervejinha gelada, prazer negado aos freqüentadores dos estádios de futebol. Determinação rigorosa da CBF, a Confederação Brasileira de Futebol, para conter a violência durante as partidas. Ordem fiscalizada por policiais militares que vasculham inclusive os camarotes, lugares onde a ilusão de impunidade poderia induzir a uma sensação de exceção. Nada de álcool é permitido durante os jogos. Ou imediatamente antes. Ou logo depois. Nem nos assentos populares de concreto duro nem no conforto de cabines que contam com refrigeradores e televisões em circuito fechado. Ou seja: você poderia ficar em casa bebendo e pagando pelo jogo na tevê, mas prefere ir ao estádio sem beber e pagar pelo deslocamento, pelo camarote e pela televisão. E sem ver o jogo como só se pode ver ao vivo, no estádio: com muita atenção. Sem direito a repetições, detalhes e ângulos inusitados. Se é para assistir a uma partida de futebol com tantas certezas imediatas, o melhor é ficar em casa.

Ou será que o pessoal tem mesmo contrabandeado bebidas para os camarotes?

Tentaram banir a sagrada cerveja gelada também dos arredores dos estádios. Algo como uma lei seca num raio de 400 metros dos locais das partidas, desde 4 horas antes do jogo até 4 horas depois. Alguns recursos à Justiça derrubaram a determinação esportiva que extrapolava os limites da sua jurisdição: o futebol. O Chapecó foi um desses que primeiro obteve alvará legal para vender bebida alcoólica nas vizinhanças de uma praça de esportes. E o vem fazendo com enorme sucesso. Junto com a cerveja (e o uísque, o gim, o conhaque), saem os pastéis sempre quentes e novinhos de camarão (cheios de camarão, por incrível que pareça), berbigão, queijo e carne, os espetinhos, os sanduíches, as tábuas de frios.

O Bar Chapecó fica nos Carianos, bairro do Sul da Ilha de Santa Catarina onde também se situa o Aeroporto Internacional Hercílio Luz. Com o interior todo pintado de verde em homenagem à Associação Chapecoense de Futebol, time do Oeste do Estado que mora no coração do Chapecó, o dono do bar, ele é freqüentado por gente toda vestida de azul e branco. Espalhados por todos os lados vêem-se distintivos em azul e branco do Avaí. Até no centro dos tabuleiros quadrados que, colocados sobre as mesas, facilitam as partidas de dominó. A duas quadras dali, em linha reta, fica o Estádio da Ressacada - do Avaí Futebol Clube.

No sábado, o Chapecó estava lotado: nos espaços internos, na garagem, no vasto terreno em frente ao estabelecimento. Dúzias de isopores para cerveja, ainda vazios, sobre um balcão e dentro de um armário com portas de vidro (no qual despontam adesivos do Avaí, da Chapecoense e do Internacional de Porto Alegre) dão uma medida do movimento da casa. Na televisão de plasma, aqueles que prestam atenção à partida vibram com o Avaí disfarçado de verde, como se fosse o Goiás, que abate o Figueirense por 2 a 0. Outros preferem a cerveja e o dominó, ou a conversa com amigos de infância que acabam de conhecer. Trocam-se cartões de visita ("A loja da minha mulher é aquela ali, assim...") e santinhos de candidatos a vereador ("Esse ladrão aí é teu irmão? Aquele que foi juiz de futebol e só apitava contra o Avaí?").

Às oito e meia, na Ressacada, começa enfim o jogo principal. E, por 3 a 0, o Avaí derruba o Figueirense fantasiado de Grêmio Barueri. Como a volta pra casa é demorada, o jeito é fazer uma horinha e tomar mais uma gelada ali ao lado, no Chapecó. E comemorar os feitos.

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Relatos de Sonhos e de Lutas", contos)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 03/09/2008
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