"Há gente que chama qualquer coisa de amor”
Mesmo correndo o risco de ser acusada de plágio não posso deixar de usar esta frase como título de minha crônica. Ela inicia o capítulo 3 do livro de Rosa Montero, História de Mulheres, quando ela escreve sobre Zenóbia Campos, mulher do Prêmio Nobel de Literatura, Juan Ramón Jimenez.Eu nunca havia lido nada sobre ela e dele eu me lembro apenas de um texto publicado em antologias jurássicas de livros didáticos: Platero e eu. O texto de Rosa é uma desmistificação da vida cor-de-rosa do casal e bem apropriado. Mas não é sobre a vida de Zenóbia em si que quero escrever, mas sobre essa dura realidade que podemos observar na vida cotidiana.
Considero uma das coisas mais tristes da vida uma pessoa se sujeitar a um amor não correspondido. O amor precisa de mão dupla para se fortalecer. Quem ama mais ao outro do que a si mesmo é uma pessoa doente. Quem destrói a própria capacidade de Ser para servir nunca deixará de ser escravo de seus sentimentos. Esse assunto, o dos relacionamentos doentios, anda muito presente nos papos atuais graças à novela das nove: A Favorita.Catarina, a mulher que se sujeita e aos próprios filhos a um casamento com um brutamonte idiota. Ela é humilhada e se humilha. Apanha. Mas está sempre ali, firme, ao lado do homem que acredita amar. E ele não está nem aí para ela e os filhos. Faz de sua vida o que quer. Ou pelo menos tenta. Como é novela, certamente o dia da vingança chegará. Mas na vida real raramente isso acontece. A pessoa vai se apagando aos poucos até se transformar em uma cabeça de fósforo queimada que se atira em qualquer lugar. E alguém pisa em cima.
Esta crônica vem a propósito de uma situação que ocorreu comigo há pouco tempo. Convivo com muita gente já que ocupo dois espaços no mercado de trabalho. Tenho algumas pessoas que profissionalmente são subordinadas a mim. E assim sendo, fico sabendo de muita coisa. Por meios diretos e indiretos. Pois não é que uma dessas pessoas está vivendo essa situação calamitosa. É claro, não vou contar quem é. Só que é um homem, o que me parece mais trágico ainda. Mulher chorar é comum, mas homem, sempre me surpreende e eu fico sem saber o que fazer. Nem sei onde por as mãos que recolho logo, pois sei que ele está precisando de um abraço e a vontade que tenho é de lhe dar um soco. Não que eu não saiba consolar um homem que chora ou até ache que um homem não deva chorar. Acho até que deveriam chorar mais, seriam mais felizes. Mas nesses casos, não dá. Tenho suportado bem.Sou paciente com a dor alheia.Não tenho paciência é com a minha. Primeiro ele me pediu folga para consultar um advogado. Depois, tinha que conversar com um padre, ou pastor, nem me lembro bem. Cada dia uma coisa e eu liberando em nome da solidariedade. E ele sempre chorando. Tentando não influir eu, no princípio, apenas ouvia.Depois comecei a aconselhar.Semana passada, perdi completamente a esportiva. E a paciência. . Ele chegou, com a sua cara de chorão de sempre, contando ter ido a uma mãe ou pai de santo que lhe disse ser a amiga da mulher a grande responsável por tudo. A que leva para o mau caminho com seus convites para sair e seus conselhos contra ele. Contou ainda que a mulher impôs condições para fica no lar conjugal: ele teria que sustentá-la já que o dinheiro dela seria para guardar e não se incomodar que saísse a qualquer hora do dia ou da noite com a amiga. E que ele para evitar isso iria dar um fim na amizade das duas. Um tanto quanto apavorada perguntei, com os olhos arregalados:O que você está planejando fazer? E ele, com a cara lambida de bebê chorão, respondeu:É que se a senhora me deixasse faltar amanhã eu iria até B (uma cidade vizinha) consultar um pai de santo para destruir a amiga dela. Bem, eu ri. Ri muito. Mas deveria ter chorado. Afinal é triste presenciar alguém se anulando e se enterrando em nome de algo que ele chama de amor. Mas que eu sei que não é. E é claro, não deixei que ele fosse. Agora anda me evitando. E não me conta mais suas tristes histórias. Que eu, como uma viciada em contar histórias, passo para vocês.