O misterioso homem da sela
Era um dia seco e calorento de agosto. Um homem entrou sozinho e a pé, na cidade. Trazia uma sela nas costas, como se fosse um cavalo arreado. A notícia se espalhou. Uma multidão se formou e foi ao local para vê-lo. Ao notar toda aquela gente se aproximando e apontando em sua direção, ele se assustou e tentou se esconder, pensando que iria atacá-lo. Sentia-se ameaçado como um intruso num mundo em que entrara sem pedir licença.
Era um homem simples, atarracado, pele morena, cabelos escuros, sobrancelhas pretas e desgrenhadas. Os olhos tinham a profundidade de quem já viveu e sofreu muitas dores, mas tinha no semblante a inocência. Apenas aquela sela nas costas tornava-o uma criatura muito estranha.
Alojou-se debaixo de uma mangueira, onde passou a morar. Logo ficou conhecido como o homem da sela. Mas, todas as vezes que aparecia no centro da cidade, provocava variadas reações. Muitas pessoas olhavam-no de esguelha, principalmente, para aquela sela. Outras olhavam e cochichavam, ou o olhavam com desdém, repug-nância e desprezo, e até com indiferença ou prazer. Mas sempre com o cuidado de não se aproximarem muito dele, como se ele fosse portador de uma terrível doença contagiosa. As mulheres tinham medo, puxaram os filhos para dentro de casa, fechavam as portas e se escondiam.
Ninguém lhe dirigia a palavra. Mas, ele nada podia fazer. Não havia como, se uma incontida sensação de insegurança e medo apossou-se das pessoas. O abrigo mais seguro, a melhor opção era esconder-se delas debaixo da mangueira. Então,constrangido, voltava para seu canto.
As opiniões sobre aquele homem, além de divergentes acarretaram muitas versões. Só que ninguém nunca perguntou de onde ele veio, nem o seu nome, quem era. As pessoas mais esclarecidas achavam que ele fosse um louco que se identificava com um cavalo arreado. As supersticiosas e simplórias, acreditavam que ele cometera um crime muito grave e por isso foi castigado por Deus, pagando em vida seu pecado. Já os religiosos afirmavam de maneira categórica que ele tinha parte com o demônio e, por isso, o evitavam sistematicamente. E, assim, não demorou muito e ganhou a fama de amaldiçoado.
Edificados na origem daquela sela, muitos histórias surgiram e se transformaram em estranhas explicações para a aquele arreio em suas costas, tornando-se verdades absolutas na boca dos habitantes da cidade. De qualquer forma, todos estavam de acordo com o que ninguém viu, mas tinham a certeza de que fora do jeito que imaginavam.
Alguém tinha ouvido alguém dizer, e assim, passou-se a divulgar que a sela nas costa daquele homem fora um castigo resultante de uma praga de sua mãe. Ela teria sido arreada e montada por ele até a morte. Antes de morrer lhe jogara a terrível maldição de carregar uma sela nas costas pelo resto da vida. Diante de tamanha maldade, ele merecia mesmo ser castigado daquela maneira, diziam todos. Com a junção de todos esses ingredientes, aquele homem passou a levar consigo, além da sela, o estigma de ser o assassino da própria mãe.
Um dia, o homem da sela não foi à cidade e em nenhum outro, depois. Misteriosamente desapareceu. Provavelmente, num momento de lucidez descobriu que além de viver penando pelo mundo, por onde passava com aquela sela nas costas metia medo e tirava o sossego das pessoas. Num galho da mangueira deixou a sela, talvez, pensando em esquecer de vez aquela loucura. Mas a cidade nunca mais o es-queceu, nem a história que ela mesma inventou para explicar o misterioso homem da sela.