Do silêncio
da clausura
Noite de verão no nordeste. O calor é insuportável. Encontro-me, neste exato momento, hospedado em um convento franciscano, no centro do Recife. Em meio, portanto, a um buburinho intenso e contudente.
Mas isso não me impede de curtir o silêncio de sua clausura e caminhar tranquilo pelo seu vetusto e escuro claustro enfeitado por belíssimos azulejos trazidos de Portugal.
O padre Guardião, meu velho amigo, para o meu pernoite, deu-me uma cela fradesca, com uma janela para o mundo. Um quarto modesto. Tem uma cama de solteiro; um minúsculo lavatório; um jogo de toalhas perfumadas; e sobre uma mesinha tosca, um sabonete redondo, quase inodoro.
Nada de armários. Nas celas franciscanas os frades penduram as calças, camisas, e o burel nos cabides pregados atrás da porta.
Sobre a escrivaninha, uma Bíblia, livros sobre São Francisco de Assis, e um terço deixado por um frade que ali se hospedara. Na parede, um crucifixo bizantino, o retrato de João Paulo II, e só.
Rondando minha cama, voejam centenas de canoras muriçocas. Atrevidas, elas tentam romper o mosquiteiro, amarelado pelos anos, que cobre minha cama, dando-me a idéia de um dossel, um baldaquino, ou coisa parecida.
Penso em matá-las sumariamente. Mas, seguindo os ensinamentos do Poverello de Assis, decido não molestá-las. Deixo-as livres, cantarolando no céu do centenário quarto que me deram pra dormir.
Pela estreita janela da cela observo, com discrição, o vaivém dos notívagos e o trottoir das "meninas" do Recife...
Embora enclausurado, vou conhecendo, ainda que à distância, um pouquinho da vida noturna desta borbulhante cidade do nosso querido e glorioso Pernambuco.
Na clausura, o silêncio é quebrado, apenas, em dois momentos: quando a comunidade reza e pelas badaladas do velho relógio da torre do convento. De quinze em quinze minutos, ele dá sinal de vida. Como faziam os relógios dos colégios franciscanos onde estudei, no Ceará e na Paraíba.
O relógio do convento me leva de volta ao seminário: hora de dormir; hora de acordar; hora das aulas; hora do recreio; das refeições; da missa; hora de rezar. Era tudo controlado pelos frades, na sua maioria alemães. Da Baviera? da Saxônia? Não me lembro.
Muito bem. Já é meia-noite, avisou-me o velho relógio conventual. Faz muito calor, repito. Acho que passa dos 30 graus. E minha cela não é refrigerada.
Paro de escrever. Acabo de ser agredido por uma robusta muriçoca. Ela teima em beber meu sangue. Desconfio que as muriçocas vão continuar me incomodando; me ferroando; impiedosamente me sugando...
Vou tentar dormir. E, pela primeira vez, ninado por insolentes e canadores pernilongos.
Se conseguir adormecer, não tenha dúvida, meu dileto leitor, mais um milagre do Pai Seráfico aconteceu.
da clausura
Noite de verão no nordeste. O calor é insuportável. Encontro-me, neste exato momento, hospedado em um convento franciscano, no centro do Recife. Em meio, portanto, a um buburinho intenso e contudente.
Mas isso não me impede de curtir o silêncio de sua clausura e caminhar tranquilo pelo seu vetusto e escuro claustro enfeitado por belíssimos azulejos trazidos de Portugal.
O padre Guardião, meu velho amigo, para o meu pernoite, deu-me uma cela fradesca, com uma janela para o mundo. Um quarto modesto. Tem uma cama de solteiro; um minúsculo lavatório; um jogo de toalhas perfumadas; e sobre uma mesinha tosca, um sabonete redondo, quase inodoro.
Nada de armários. Nas celas franciscanas os frades penduram as calças, camisas, e o burel nos cabides pregados atrás da porta.
Sobre a escrivaninha, uma Bíblia, livros sobre São Francisco de Assis, e um terço deixado por um frade que ali se hospedara. Na parede, um crucifixo bizantino, o retrato de João Paulo II, e só.
Rondando minha cama, voejam centenas de canoras muriçocas. Atrevidas, elas tentam romper o mosquiteiro, amarelado pelos anos, que cobre minha cama, dando-me a idéia de um dossel, um baldaquino, ou coisa parecida.
Penso em matá-las sumariamente. Mas, seguindo os ensinamentos do Poverello de Assis, decido não molestá-las. Deixo-as livres, cantarolando no céu do centenário quarto que me deram pra dormir.
Pela estreita janela da cela observo, com discrição, o vaivém dos notívagos e o trottoir das "meninas" do Recife...
Embora enclausurado, vou conhecendo, ainda que à distância, um pouquinho da vida noturna desta borbulhante cidade do nosso querido e glorioso Pernambuco.
Na clausura, o silêncio é quebrado, apenas, em dois momentos: quando a comunidade reza e pelas badaladas do velho relógio da torre do convento. De quinze em quinze minutos, ele dá sinal de vida. Como faziam os relógios dos colégios franciscanos onde estudei, no Ceará e na Paraíba.
O relógio do convento me leva de volta ao seminário: hora de dormir; hora de acordar; hora das aulas; hora do recreio; das refeições; da missa; hora de rezar. Era tudo controlado pelos frades, na sua maioria alemães. Da Baviera? da Saxônia? Não me lembro.
Muito bem. Já é meia-noite, avisou-me o velho relógio conventual. Faz muito calor, repito. Acho que passa dos 30 graus. E minha cela não é refrigerada.
Paro de escrever. Acabo de ser agredido por uma robusta muriçoca. Ela teima em beber meu sangue. Desconfio que as muriçocas vão continuar me incomodando; me ferroando; impiedosamente me sugando...
Vou tentar dormir. E, pela primeira vez, ninado por insolentes e canadores pernilongos.
Se conseguir adormecer, não tenha dúvida, meu dileto leitor, mais um milagre do Pai Seráfico aconteceu.