* foto - Père-Lachaise - um dos vários caminhos com uma arquitetura deslumbrante.
....por delicadeza
Rimbaud, gênio precoce que parou de escrever aos 20 anos, ''deus da adolescência'' como o apelidou o surrealista Paul Claudel, desmontou o verso alexandrino, abrindo a picada para o Modernismo. Foi um dos precursores de uma linguagem sinestésica, delirante e mágica, usada posteriormente pelos surrealistas. Em um de seus versos, declarou, o que centenas de gerações de jovens como Jim Morrison, viriam a repetir como a expressão de uma rebeldia incompreendida : "Por delicadeza eu perdi minha vida"(Par délicatesse J'ai perdu ma vie). Eu não fui muito diferente. Uma sensibilidade aflorada em meio a uma época conturbada, mas também plena de efervescência cultural, me levou a esses ídolos, sem contar o agravante da atmosfera opressiva da ditadura sob nós, aqui no Brasil. Não me esqueço de uma parada de 7 de setembro, na Avenida da praia em Santos, em que todas as famílias se aglomeravam para ver o exército desfilando com seus cavalos e homens fardados - pois é, isso existia ! Eu tinha então, quinze anos. A turma mais velha que tinha, entre dezoito e vinte poucos anos, me elegeu para destribuir panfletos "subversivos" que nada mais eram, do que poemas engajados de Capinan e Chacal, uma tática boa, pois sendo menor de idade, eles não poderiam fazer nada. Senti-me muito orgulhosa com aquele calhamaço de folhas embaixo do braço que mal podia carregar e que, segundo nós, poderia mudar o país, o mundo...podia ser ingênuo, mas tão cheio de beleza, uma energia boa, literalmente em oposição a outras tão estranhas! Horas depois, fui apreendida e levada à delegacia, frente ao coronel Erasmo Dias, que chocado comentou : "Esses comunistas estão pervertendo nossas crianças !" e eu lá, aparelho nos dentes e trancinha. Seu autoritarismo e truculência podia ser sentido a léguas de distância, o cara era meio assustador, mas, ainda bem, nada me aconteceu. Meu pai foi me buscar, prometendo uma vigilância mais constante sob mim e voltamos para casa. Aos dezessete anos fiz minha primeira viagem à Europa e me lembro de outra experiência fascinante e inesquecível: Visitar o túmulo de Jim Morrison no Père Lachaise, em Paris. Tinha sonhado isso durante anos e de repente, lá estava eu. Ao meu redor, uma penca de jovens do mundo inteiro com roupas coloridas prestavam homenagem acendendo velas e cigarrinhos proibidos. Tudo isso era envolto por uma aura mágica, um sonho coletivo, uma sensação de sentir-se especial, já que poucos nos compreendiam. Era uma peregrinação engraçada. A próxima parada era o túmulo do Oscar Wilde, que depois de permanecer décadas com um aspecto pobre, ficou suntuoso, graças a uma dama inglesa e anônima que mandou construir sobre a tumba, um anjo magnífico com asas enormes e protetoras. Ali também se aglomeravam muitos jovens, contemplando e adorando o escritor. Os guardas do cemitério nos acompanhavam a distância para certificarem-se de que nenhum ato de vandalismo seria cometido. Foi um tempo difícil, mas com emoções intensas, permeadas de sonhos muito vívidos.
Num tempo em que tanta força bruta imperava, acho que éramos realmente delicados para aquela época, sonhando um mundo de paz, tão ingênuo ! numa atmosfera de "Imagine" de John Lennon. Hoje, há muito saída da adolescência, do alto do meus quarenta e três anos, acho que posso parafrasear Rimbaud e com uma certa convicção: "E´só por delicadeza que eu tenho uma vida". Os brutos caíram, pelo menos os de carteirinha, com o poder do AI5 em mãos. Em seus túmulos, sem nenhum glamour, nenhum jovem acende, sequer uma vela, ninguém os visita, talvez nem mesmo a família. Para ser sincera, em homenagem àqueles tempos, e para não apagar a moleca, que ainda hoje tenho dentro de mim, fui agora, tomada por um desejo adolescente - visitar um desses "senhores" e soprar, lá pra dentro de seus jazigos perpétuos, uma fumacinha dos ditos cigarrinhos proibidos e dizer: Chico Buarque e todos nós estávamos certos: " Apesar de você, amanhã há de ser outro dia....e aqui estamos !! Ora, pois !
....por delicadeza
Rimbaud, gênio precoce que parou de escrever aos 20 anos, ''deus da adolescência'' como o apelidou o surrealista Paul Claudel, desmontou o verso alexandrino, abrindo a picada para o Modernismo. Foi um dos precursores de uma linguagem sinestésica, delirante e mágica, usada posteriormente pelos surrealistas. Em um de seus versos, declarou, o que centenas de gerações de jovens como Jim Morrison, viriam a repetir como a expressão de uma rebeldia incompreendida : "Por delicadeza eu perdi minha vida"(Par délicatesse J'ai perdu ma vie). Eu não fui muito diferente. Uma sensibilidade aflorada em meio a uma época conturbada, mas também plena de efervescência cultural, me levou a esses ídolos, sem contar o agravante da atmosfera opressiva da ditadura sob nós, aqui no Brasil. Não me esqueço de uma parada de 7 de setembro, na Avenida da praia em Santos, em que todas as famílias se aglomeravam para ver o exército desfilando com seus cavalos e homens fardados - pois é, isso existia ! Eu tinha então, quinze anos. A turma mais velha que tinha, entre dezoito e vinte poucos anos, me elegeu para destribuir panfletos "subversivos" que nada mais eram, do que poemas engajados de Capinan e Chacal, uma tática boa, pois sendo menor de idade, eles não poderiam fazer nada. Senti-me muito orgulhosa com aquele calhamaço de folhas embaixo do braço que mal podia carregar e que, segundo nós, poderia mudar o país, o mundo...podia ser ingênuo, mas tão cheio de beleza, uma energia boa, literalmente em oposição a outras tão estranhas! Horas depois, fui apreendida e levada à delegacia, frente ao coronel Erasmo Dias, que chocado comentou : "Esses comunistas estão pervertendo nossas crianças !" e eu lá, aparelho nos dentes e trancinha. Seu autoritarismo e truculência podia ser sentido a léguas de distância, o cara era meio assustador, mas, ainda bem, nada me aconteceu. Meu pai foi me buscar, prometendo uma vigilância mais constante sob mim e voltamos para casa. Aos dezessete anos fiz minha primeira viagem à Europa e me lembro de outra experiência fascinante e inesquecível: Visitar o túmulo de Jim Morrison no Père Lachaise, em Paris. Tinha sonhado isso durante anos e de repente, lá estava eu. Ao meu redor, uma penca de jovens do mundo inteiro com roupas coloridas prestavam homenagem acendendo velas e cigarrinhos proibidos. Tudo isso era envolto por uma aura mágica, um sonho coletivo, uma sensação de sentir-se especial, já que poucos nos compreendiam. Era uma peregrinação engraçada. A próxima parada era o túmulo do Oscar Wilde, que depois de permanecer décadas com um aspecto pobre, ficou suntuoso, graças a uma dama inglesa e anônima que mandou construir sobre a tumba, um anjo magnífico com asas enormes e protetoras. Ali também se aglomeravam muitos jovens, contemplando e adorando o escritor. Os guardas do cemitério nos acompanhavam a distância para certificarem-se de que nenhum ato de vandalismo seria cometido. Foi um tempo difícil, mas com emoções intensas, permeadas de sonhos muito vívidos.
Num tempo em que tanta força bruta imperava, acho que éramos realmente delicados para aquela época, sonhando um mundo de paz, tão ingênuo ! numa atmosfera de "Imagine" de John Lennon. Hoje, há muito saída da adolescência, do alto do meus quarenta e três anos, acho que posso parafrasear Rimbaud e com uma certa convicção: "E´só por delicadeza que eu tenho uma vida". Os brutos caíram, pelo menos os de carteirinha, com o poder do AI5 em mãos. Em seus túmulos, sem nenhum glamour, nenhum jovem acende, sequer uma vela, ninguém os visita, talvez nem mesmo a família. Para ser sincera, em homenagem àqueles tempos, e para não apagar a moleca, que ainda hoje tenho dentro de mim, fui agora, tomada por um desejo adolescente - visitar um desses "senhores" e soprar, lá pra dentro de seus jazigos perpétuos, uma fumacinha dos ditos cigarrinhos proibidos e dizer: Chico Buarque e todos nós estávamos certos: " Apesar de você, amanhã há de ser outro dia....e aqui estamos !! Ora, pois !