Dona Zuenir e eu.
Tenho certeza: expliquei bem direitinho. Estávamos na porta da Livraria da Beth e eu disse ao Marcelo: você falou que não sabe o caminho. Vou explicar. É fácil. Desça esta rua, pegue aquela e quando encontrar a primeira bifurcação não siga reto, vá pela direita e logo encontrará a Escola Dra. Dâmina. Estarei esperando. Eles deveriam estar lá antes das 19.30 h, já que o evento estava marcado para esta hora. Dez minutos antes eles ainda não haviam chegado e resolvi ligar para o Hotel. O recepcionista disse que haviam acabado de sair e pensei que em menos de cinco minutos chegariam, já que teriam que percorrer apenas três quarteirões. Fiquei plantada na esquina para que me vissem e não passassem sem parar. Os minutos foram passando e nada deles aparecerem. Eu avistava um carro e logo pensava: são eles! Bem, pra encurtar a história eles passaram e não os vi, nem eles me viram. De repente lá está o carro, chegando pelo outro lado da rua. Meu Deus, pensei. Como conseguiram errar? Tem gente mais lerda do que eu. Mal saiu do carro e eu os conduzi para cumprimentarem minha chefe maior, a Prefeita Municipal, o Marcelo foi contando:Erramos o caminho, passamos pelo cemitério e quando vimos muita gente paramos achando que era ali. Só percebi que não era quando vi uma mulher chorando.Tiínhamos parado no necrotério.
Na verdade ele parou no Velório, onde se celebrava a morte. Nós, nesta noite, iríamos celebrar a vida.
Conheço Marcelo Andrade desde 2005 quando me tornei responsável pela Cultura em meu município. Marcelo é o idealizador de inúmeros Projetos Culturais realizados através da ONG Humanizarte e durante estes anos trabalhamos juntos em três projetos: O TIM ArtEducAção, que oferece oficinas as mais variadas às crianças das escolas municipais e que tem sua culminação no final do ano com uma Mostra Final dos trabalhos realizados; o TiMEstado de Minas Grandes Escritores que leva as cidades do interior nossos grandes escritores para conversarem com seu público e a entrega anual de livros desses escritores para as Bibliotecas Municipais. O evento dessa noite seria um encontro com o professor, jornalista e escritor Zuenir Ventura.
Estar com Zuenir Ventura e sua mulher Mary foi um privilégio e uma honra para todos nós. Desde o momento em que chegaram e eu os esperava na entrada do Hotel Vitória vi que a noite iria ser um sucesso. E posso dizer que o dia todo foi um sucesso. Estive com eles durante o almoço, no Picles, voltei a vê-lo no Pátio Interno do Hotel durante sua entrevista para a TV UFLA, os acompanhei a Livraria da Beth durante a coletiva, assisti a sua palestra e mais tarde jantamos juntos, desta vez acompanhados também do Dudu e de um casal extremamente simpático: o Juiz do Foro de Lavras, Dr.Elias Charbil e sua mulher Virginia. Foi um dia para ninguém botar defeito.
Zuenir é um homem extremamente simples. Sua palestra foi na verdade uma conversa entre amigos. A platéia, grande e calorosa, se encantou com as histórias que contou. As histórias de um menino simples do interior que aos poucos galgou todos os degraus da realização profissional e pessoal sem deixar se corromper pela vaidade. Tudo em minha vida aconteceu por acaso, disse ele. E foi noite adentro desfiando os seus causos, como um bom mineiro que nunca deixou de ser. Histórias de um homem que convive com a nata do mundo político e cultural do mesmo jeito que convive com pessoas que acabou de conhecer. Mas isto só é possível porque ele é a nata.
Não vimos o tempo passar. A noite já ia alta quando nos despedimos. Não posso negar: fiquei orgulhosa. Há sempre um temor de que as coisas possam não dar certo. Será que alguém virá me ouvir? Perguntava ele apreensivo. Será que farão perguntas idiotas? Meu coração se contraia ao pensar nessa hipótese sombria. Mas não: ele se surpreendeu e foi uma boa surpresa. Uma platéia inteligente o ouviu atentamente e o inquiriu de uma forma brilhante. A balconista da livraria da Beth, formada em História, não só era sua fã como até é membro da comunidade Zuenir Ventura, no Orkut. A repórter da TV Câmara estava emocionada ao entrevistá-lo e confessou que seu livro Inveja, era o que mais tinha mexido com sua cabeça. E Marco Aurélio Bissoli, o repórter da Tribuna de Lavras o entrevistou durante mais de uma hora, mostrando um total conhecimento sobre sua obra e vida. Aliás, o Marco pagou o maior mico do dia: conseguiu deletar todas as fotos da Câmera fotográfica de Mary, que ficou inconsolável. Todos os registros da noite anterior, quando estavam em Varginha e foram visitar o famoso ET, foram apagados.
Quando cheguei em casa, fui ler o livro que comprei (Minhas histórias dos outros)e ele autografou: Como você vê, Maria Olímpia, sua promessa de me trazer aqui foi cumprida. Eu fiz essa promessa quando escrevi a crônica A livraria da Beth que Beth mostrou a ele afixada que estava em um Mural bem visível. Hoje então posso dizer que Zuenir Ventura, um ícone que atravessa gerações, leu algo que escrevi. Mas uma frustração muito grande tomou conta de mim quando comecei a ler o livro: ele confessa ali, que escreveu o escreveu depois que leu A Louca da Casa, de Rosa Montero. Como podia eu imaginar que o livro mais surpreendente da autora mais surpreendente dos últimos tempos tinha sido sua fonte de inspiração? Ah, se eu soubesse antes, teríamos tido uma longa e demorada conversa sobre o assunto. Afinal, quem escreve, conhece muito bem essa louca que toma conta de nossa vida e nos faz varar a noite contando histórias.
P.S: Dona Zuenir certamente é uma personagem criada pela louca da casa.Ela não existe, ou melhor, existe na imaginação de quem não o conhece.Por causa do nome pensam que ele é uma mulher.