o garoto que sabia matemática
Numa tarde destas descobri que o filho da minha empregada, que tinha apenas sete anos, dominava com facilidade as quatro operações básicas da matemática. Não é preciso ficar falando muito sobre as quantas anda o problema educação no Brasil, e, em se tratando de um menino pobre, que ainda mal começara o primário, pode se perceber o quanto de fenomenal possui tal proeza.
Fiz a descoberta por acaso. Eu estava no celular na cozinha e a mãe dele mexia num cesto de roupas sujas nos fundos, enquanto o garoto a poucos metros de mim rabiscava um pedaço de papel com um lápis. A pele dourada, o cabelo encaracolado e as pernas cheias de cicatrizes, era tudo que eu notara nele até então, um menino pobre como outro qualquer. Se eu não fosse tão pouco observador ou menos preconceituoso teria notado também o olhar tristonho do garoto quase a ignorar o mundo em volta. O que me chamou a atenção depois de algum tempo era que o tal rabisco era constituído de uma fileira de números muito bem alinhados.
Aproximei-me e fiquei olhando o que ele fazia. Noventa e dois mais trinta e três é igual a cento e vinte e cinco. - O garoto é um bom aluno em matemática - foi o que pensei de imediato. Cento e vinte e cinco dividido por cinco - continuou assinalando o garoto - igual a vinte e cinco. Era incrível que aquele pequeno conseguisse aquela resposta com uma destreza difícil de se ver hoje em dia até em alunos de ensino fundamental.
- Bom! Muito bom - falei entusiasmado – você consegue multiplicar?
O garoto levantou a cabeça ao ouvir a minha pergunta. Ele sorriu timidamente, mas sem outra reação mais entusiasmada ao perceber minha admiração.
- Pode multiplicar vinte e cinco por trinta e dois?
O garoto balançou a cabeça positivamente. E, colocando número debaixo de número, somando e multiplicando, ele foi chegando ao resultado. Oitocentos.
- Dona Marilene, a senhora tem um tesouro nas mãos.
A mãe, que na verdade ainda era jovem, sorriu mostrando os dentes apodrecidos na frente e disse mais coisas positivas sobre o menino em sinal de complementação ao elogio. Não creio que tivesse consciência sobre todos os aspectos da habilidade de seu filho. No fundo era como se ele fosse capaz de equilibrar dez pratos em cima de um monociclo ao invés de explorar com propriedade a aritmética, pelo menos Marilene me passava esta impressão.
Mas eu a compreendia. A visão dela não era diferente da visão da maioria de nossa sociedade. A maioria acha que inteligência não seria coisa de muita utilidade para gente pobre. Imagino que devem existir por aí muitos garotos como aquele, e uma certa parte não teria nascido de família rica. Eles podem aprender a somar muito cedo, podem até a aprender a ler e escrever como se não precisassem de professor, podem ganhar um elogio aqui e outro ali e o que mais? Não é como o superdotado mais abastado que vira matéria de jornal e talvez vai a Harvard quando mais crescido.
Torno-me pessimista. O filho de Marilene não deve ir a Harvard. Provavelmente vai ser esquecido num canto escuro da sala e ser forçado a esquecer suas habilidades, e o que restar delas vai ser empregado em alguma atividade de subemprego ou na pior das hipóteses no tráfico de drogas. Num país como este, onde os governantes raramente se importam de verdade com as pessoas, num caso como aquele seria querer demais que tivessem projetos para alguém como o filho de Marilene. Não é todo dia que aparece numa família humilde uma criança com inteligência acima do normal e os governantes mal se importam com as de capacidade habitual.
Deixei o garoto de lado e voltei ao celular. Logo eu que também não me sinto diferente do restante da sociedade não estaria mais pensando naquele assunto. Talvez esquecesse da habilidade do garoto e só voltasse a lembrar dela quando me deparasse com alguém parecido porque é assim que funcionamos, mas quando isso ocorresse, certamente iria me lembrar daquele triste e tímido olhar do menino.