Separação
Eu queria o vinho. Ele sabia meu gosto, conhecia bem cada pedaço de mim. Trouxe-me Branco, o que eu não tomo. “Estava na promoção, vinho bom!”, na insistência de uma justificativa que exigia muito mais que uma simples promoção . Na sacola, além do repulsivo vinho branco, uma vodka Absolute e várias espécies de fast-food caseira – dentre lasanha, pipoca, amendoim e chocolates. “Milena vai dormir conosco hoje, brigou com o namorado e pediu abrigo”. Respirei e engoli em seco um milhão de palavras que sairiam, espontaneamente e facilmente da minha boca fosse outro dia que não esse. Milena – sua prima -, embora insistisse em parecer uma adolescente de 18 anos com aquelas roupas curtas e coloridas, já era dona do nariz há muito. Carregava seus 25 aninhos colecionando oportunidades na qual conseguia ser, sempre, a “coitadinha”. Não bastasse a inconveniência de nunca dirigir-se à mim quando pretendia dormir na nossa casa, ela estaria presente na pior crise que passava meu casamento, prestes à padecer. Eu decidia tentar, cada manhã em que me olhava no espelho e comungava de uma tristeza imensa ao perceber que meu vício escorregava entre meus dedos, querendo escapar das minhas mãos. Há três semanas dormíamos em quartos separados. Pela manhã, minhas profundas olheiras confessavam a insônia que me perturbava a noite inteira. Entretanto, fingíamos que tudo corria bem, cada um mergulhando de cabeça à sua rotina, à sua maneira. Ele saía mais cedo que de costume, e cada vez que eu abria a porta do quarto com uma vontade enorme de desejar um simples “bom dia” – e ouvi-lo, ainda como um reflexo imediato - a casa estava vazia. Meu horário, sempre tão incompatível com as oportunidades, fazia-me chegar tarde demais para dizer boa noite, e quem sabe inventar qualquer assunto para ouvir sua voz. Ele dormia, todos os dias, dormia. Os sábados passaram a ser vazios, completos pelas chamadas chamadas urgentes de seu celular. Deus do céu, como o universo pode conspirar contra nós?
Essa semana dei-me folga de tantos contratempos para cuidar de nós. Quase um mês inteiro sem conversas, sem contato e sem sexo; essa semana eu manteria minha ocupação na tentativa de colar os cacos que restaram do meu casamento. Em vez de seguir eu caminho rotineiro em direção ao trabalho, fui ao cabeleireiro, depois às compras e finalmente, ao massagista. Liguei no celular antes que ele chegasse em casa, disse que trouxesse um vinho – companhia perfeita para reconciliações. Preparei sua massa preferida, enfeitei a sala de velas e escolhi a trilha que embalaria o romance final. Ele chegou às oito, com algumas sacolas de supermercado – e o maldito vinho branco. Não reparou no meu cabelo curto, na música do Coldplay ou mesmo no enorme decote que tinha o vestido novo. Tirou a garrafa da sacola como se tirasse um troféu da mala. “Estava na promoção, vinho bom!”
Desliguei o som, apaguei as velas e fui dormir.