AMÉLIA

Acorda antes de todos da casa.Sua resignação e conformismo religiosos não preocupam mais ninguém.Nascera assim ou o meio a tranformara?Submissa como só ela,carinhosamente prepara o café da manhã,arruma a roupa do marido-dormirá o sono dos justos?- e dos filhos,chama-os com uma voz abafada,medrosa,hesitante.Seu temor assusta até o medo.Medo de quê?Nem ela sabe.Acostumara-se talvez.Ao se levantarem,não a vêem,um móvel tem até mais valor.Olha,atenta,cada um alimentando-se do que preparara.O leite quente,o aroma do café,o pão com manteiga são devorados maquinalmente.Um "bom dia" amenizaria a frieza com que a tratam.Seu nome a persegue,culturalmente o destino se aninhou nessas mulheres.Pobre Amélia.Bem feito,debocharão as chovinistas.Difícil é ser ela,urubus.

Todos saem para preencher as horas do dia com seus afazeres.O silêncio a agride sob a forma de um mosquito,ferrando-a.Sente-se pequena,as paredes a intimidam,fazendo-a perceber a realidade de sua rotina.Muito a fazer:lavar a roupa,limpar a casa,preparar o almoço,nada a exaure.Depara-se em frente ao espelho,não vê a mulher,o lar enterrou-a viva.Imagina que sem ela o mundo se acabaria.Como é bom o meu dia.Escolas foram criadas para perpertuar-lhe,outras querem imitá-la,chegarão a isso no máximo:uma pura imitação.Jogaram a forma fora quando lhe criaram.Homens,alguns a admiram,outros a abominam.

Uma borboleta entra pela janela,o vôo circular a faz pensar em si.Como pude,,,?Pára menina,não cresça,muitos a querem assim,adormecida em berço esplêndido.Começa a lembrar o tempo que perdera,sua completa anulação para o mundo.Resgatá-lo não pode,mas vislumbra o mundo,as pessoas de uma outra forma.Dalí por diante seria diferente.Sua capacidade de reação surge tal qual uma Tsunami,destruindo a prisão em que permanecera.

Espera ansiosamente o retorno do marido e dos filhos estirada no sofá,comendo pipoca e assistindo televisão.Eles vão ver,suspira.

LÉO VINCEY
Enviado por LÉO VINCEY em 29/08/2008
Código do texto: T1151734
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