Como água e vinho
Ela estava no metrô, naquele horário infernal, junto com mais da metade da população da cidade de São Paulo. Ela tentava chegar até a Sé e de repente, no meio de todo aquele barulho e rompendo o som do mp3 ela escuta:
- Mááááá
Ela pensa ser com ela e olha para os lados, mas não vê ninguém conhecido. Está certo que ela tem alguns graus de astigmatismo, está certo que ela detesta lente de contato e por isso só usa óculos, está certo que ela raramente usa óculos socialmente, mas bem.. quantas mil “Mariana”, “Maria” e demais “Ma” existem e quantas mil deveriam estar ali tentando chegar na porta do maldito metrô, não é? Ela continua cantarolando com seu mp3 esperando o próximo metrô, até que é puxada pelo braço:
- Ei Má! Tô te chamando faz mó tempão, cara.. e você nem pra olhar pra mim, meu.. (diz ele com aquele sotaque típico da Mooca).
Ela olha com aquela cara de: “oi?” e ele continua:
- Nojentinha como sempre, né? Desde que te conheci já pensei: “ô mina metidinha” (com o característico sotaque da Mooca cada vez mais acentuado).
Ela olha com a mesma cara de “Oiii?” e ele continua:
- Que isso Má! Você sabe que é brincadeira, né? Nunca te achei metidinha, desde que te conheci pensei “que mina da hora”.
Ela ainda com a cara de “oooiiii????”, resolve perguntar:
- Nos conhecemos?
- Ah! Sempre piadista, né? Não acredito que você não lembra de mim.
Ela olha com aquela cara de pessoa autista, com sono e que, definitivamente, não sabe com quem diabos está falando. Ele, altamente tagarela, não a deixa fazer essa cara de bunda nem por 3 segundos completos, tendo como companhia o silêncio:
- Ow.. menos mal.. Assim fico mais tranqüilo sabendo do bolo que você me deu. Você deve ter sofrido um acidente, ter ficado um tempão em coma e aí acordou com esse probleminha de memória. Dica! Dica! Essa é a hora que você me fala do acidente e mostra as suas cicatrizes, pra não parecer tão feio você não se lembrar de mim. Vai lá!! Nem precisa ser convincente.. eu juro que vou acreditar por mais que você pareça o Cigano Igor “te amo Dara, te odeio Dara” (diz ele fazendo a mesma cara de paisagem e com a mesma entonação). Lembra? Ah, não deve ser da sua época, né? Se bem que.. te conheço há trezentos anos e você sempre vem com aquele papo de que tem 20 e alguma coisa. Mulheres, né? Sempre mentindo a idade.. Mas Má, você está morando aqui de volta?
Ela vai ficando aflita:
- Para! Para! Calma.. calma.. vamos começar do princípio.. QUEM DIABOS É VOCÊ?
E então ele a fez lembrar que ele era aquele paulistano chato, arrogante, metido que ela conheceu uns anos atrás, graças a amigos (será que podemos chamar mesmo de amigos essas pessoas?) em comum.
Ele descreveu a roupa que ela estava vestindo naquele dia, enfatizou que a primeira frase que ela disse ao conhecê-lo foi: “Nuuuosssaaa! Que cílios lindos!”.. (ele ainda ri contando essa história por aí).
Ela então se lembrou que ele tinha um cavanhaque que ela achava ridículo. Cavanhaque só é aceitável em duas pessoas: no Brad Pitt (porque afinal de contas é o Brad Pitt, né?) e no Douglas (porque sei lá.. o Douglas pode), isso sem falar naquela toquinha.. ai.. ai.. o que era aquela toquinha que ele usava? Depois ainda se pergunta por que ela esqueceu dele, vê se pode!
Então ela esqueceu que queria chegar logo na Sé, ele esqueceu que tinha que ir trabalhar e foram tomar um café (na Barra Funda, porque ele ainda lembrava que ela adorava um cappuccino que tinha em um café na Barra Funda).
Ela não lembra porque não se deram bem logo de cara. Ele afirma que se deram muito bem logo de cara, ou ela é totalmente falsa, porque parecia muitoo que eles se deram bem…
Hoje ele é a companhia mais agradável, mesmo a arrastando para uns programas de índio e reclamando, reclamando, reclamando.. dando bronca, bronca e mais bronca.
Ele é o responsável pelas gargalhadas mais sinceras. É o despertar da alegria mesmo ligando às 6h da manhã em um sábado e gritando “Bommm diaaaa motivo da minha poesia” pra logo depois ir falando sem parar.. quer dizer.. parando de falar vez ou outra pra ficar cantando “Oohooo oohoooho… ooooho… Ooooo… oooooo… oooooo… Ooooo… oooooo…. oooooo…Somewhere over the rainbow… Way up high..And the dreams that you dreamed of Once in a lullaby-iii iiii iiii iii”, daquele jeito desafiando que só ele sabe.. Mas tudo bem, afinal de contas, ELE pode.. ele tem aquele sotaque da Mooca.