Muito Azar
Ele passou pelo grupo de beatas que protestava em frente ao prédio. Estava um pouco atrasado e muito ansioso, e não ia ser um bando de velhotas jogando água benta em todos que passavam por ali que iria impedi-lo de encontrá-la. Identificou-se na portaria, entrou no elevador e marcou o andar. Sentia o coração querendo saltar pela boca a fora, quando tocou a campainha. Ela veio abrir a porta, vestindo apenas o terço, com que posou para a Playboy, o causador de toda a polêmica. Ele estava boquiaberto, extasiado. Ela era ainda mais linda pessoalmente e sorria para ele, exibindo seu corpo exuberante. Ele a abraçou e a puxou para si. Uma música suave soou de dentro do apartamento, criando um clima perfeito. Ela ofereceu-lhe os lábios carnudos e ele aproximou-se para beijá-la, quando a música começou a aumentar de volume, aumentar, até tornar-se irritante. Carol Castro esvaia-se de seus braços, assim como o apartamento e tudo o mais em volta, até desaparecer por completo e ele acordar em seu quarto, sua cama, com a musiquinha do celular ressoando como um gongo em seus ouvidos. Pegou o aparelho, já, de antemão, odiando quem estivesse do outro lado da linha. Era do trabalho: o sistema estava fora do ar. Precisaria correr para lá, para tentar restaurá-lo. Conferiu o relógio. Três da manhã. Este era o início de um dia de cão, em que mal teria tempo para tomar água ou ir ao banheiro. O almoço foi um sanduíche com coca-cola, em frente ao monitor onde acompanhava o desempenho de mais um teste, após tantos fracassados. Somente no final da tarde conseguiram resolver o problema. Rick, um dos técnicos, que também estava trabalhando desde a madrugada entrou na sala:
- Tudo normal!
- Ufa!!
- Vamos tomar uma?
- Não vai dar, cara, tenho aula.
- Esquece isso, cabeção. Você vai dormir e babar a aula toda.
- Pô! Chamar pra ir pra missa ninguém chama...
- Você iria??
Riu.
- Vamos nessa... depois de um dia desses, uma cerva vai mesmo muito bem!
Os dois eram vizinhos. Foram a um barzinho perto de casa e ficaram bebendo e papeando até por volta das dez da noite, quando o celular novamente o interrompeu. Desta vez, era um colega da faculdade:
- Ô, mané! Esqueceu a prova?
Era só o que faltava! Ele havia esquecido a prova!! E justo daquela disciplina que o professor vinha pegando direto no pé dele. Ia bombar naquela matéria! Agüentar o cara de novo no próximo semestre!
Foi quando teve a idéia.
No dia seguinte, foi ao serviço médico. Pediu para ser atendido pelo clínico geral.
Quando entrou no consultório, uma mocinha de branco o atendeu, muito solícita:
- Em que posso ajudá-lo, senhor Antônio?
- Sabe o que é, doutora? Tenho até vergonha de dizer... é que, ontem, quando saí daqui e estava dirigindo pra faculdade, senti vontade de dar um pum e... - parou, fingindo-se envergonhado.
- Sim, continue, por favor.
- Bem... quando eu soltei, não era só pum e... eu molhei a cueca.
Ela esforçou-se para segurar o riso, agindo profissionalmente.
- Ah! Isso acontece. Pode ter sido alguma coisa que você comeu...
- Sim, doutora, eu sei disso... Mas é que eu tinha prova na faculdade... Sabe como é. Não dava para ir daquele jeito... precisava ir para casa, trocar de roupa e tal, eu moro meio longe... A senhora não poderia me dar um atestado?
Ela, não poendo acreditar que alguém inventaria uma histórica constrangedora dessas, foi bastante compreensiva e preencheu o atestado. No CID (Classificação Internacional de Doenças) colocou 003.
- O que significa, doutora?
- Diarréia e gastroenterite.
- Ah!
Para complicar, quando ele olhou o documento, o carimbo dela era de ginecologista. Ainda assim, apresentou-o ao professor que acabou agendando uma nova data para a prova.
Não. Ninguém observou que o carimbo era de uma ginecologista e ninguém sabia o que significava o CID 003.
Para quem começou esta história pegando a Carol Castro, passar o resto do semestre conhecido como cagão ia ser mesmo muito azar, não é?