Superando o medo.

 

Quando cheguei ao local estava nervoso, inquieto, um pouco ansioso talvez. É difícil de explicar o que estava sentindo afinal, estava enfrentando um medo. Um medo tolo, mas que não deixa de ser um temor e isso tem que se respeitar, seja ele do tipo e tamanho que for.

Uma moça sorridente me recebeu gentilmente, confirmou meus dados no computador e em seguida me orientou a colocar uma espécie de meia de tecido descartável sobre o calçado, para evitar contaminação, disse ela. Posteriormente fui conduzido para sala de procedimentos. Ao sentar naquela enorme cadeira, prendeu em meu pescoço uma espécie de babeiro gigante; certificou-se se eu estava confortável, alcançou-me um guardanapo de papel e puxou uma tela de LCD, que parecia um monitor de computador. Colocou-a no meu ângulo de visão e perguntou se eu tinha alguma preferência de DVD, acenei que não, então colocou um musical qualquer.

Alguns minutos depois, puxou uma mesa suspensa naquela serie de braços de ferro, que pareciam obedecer e se posicionar em qualquer lugar que fossem direcionados. Depois, pegou em uma gaveta do armário um pequeno pacote, certificou-se de que eu estivesse observando, abriu-o cuidadosamente retirando dois pequenos espelhos com cabo, dois outros instrumentos com pontas em ambos os lados e uma espécie de pinça. Colocou-os uniformemente sobre a mesa e se retirou, dizendo: O doutor virá em seguida, fique a vontade.

Deitado naquela cadeira estranha comecei a observar tudo que existia ao meu redor, aqueles instrumentos sobre a mesa, que pareciam atemorizantes e ameaçadores, com suas pontas retorcidas e afiadas. Um pouco mais ao lado, encaixados na extremidade da mesa, havia três pequenos objetos que lembravam aquelas mini furadeiras ou parafusadeiras dos comerciais de televisão. Minha imaginação tratou de transformar tudo em instrumentos adequados à tortura, que certamente em poucos minutos eu seria submetido. Fiquei imaginado o dano que aqueles instrumentos poderiam fazer, e senti um arrepio que percorreu toda a espinha dorsal.  Olhei ao redor e percebi que havia óculos de segurança, daqueles usados em fábricas para proteger os olhos dos trabalhadores em atividades perigosas. Havia também uns potes cheios de instrumentos submersos em líquidos de cores variadas, entre muitos outros equipamentos ameaçadores, ou seja, estava sozinho diante de vários instrumentos de tortura aguardando o torturador.

O meu medo ampliava a imaginação e me conduzia a cenários cada vez mais temerosos. Senti-me totalmente impotente, incapaz até mesmo de levantar-me e ir embora. Confesso que até pensei nisso, mas seria vergonhoso, abandonei a idéia e decidi que iria enfrentar qualquer coisa se fosse necessário. Às vezes a vida nos coloca diante de situações, em que a única alternativa parece ser a de nos submetermos às condições externas. Isso é algo que me deixa muito aborrecido, pois acredito que não há nada que nos impeça de direcionarmos o pensamento para o que nos interessa. Assim relatam as pessoas que são submetidas a situações extremas. Dizem terem superado aqueles terríveis momentos, direcionando o pensamento para os familiares, sonhos a realizar ou momentos felizes que viveram ou ainda queriam viver, ou seja, buscaram uma fuga psicológica para suportar a dor física.

Conhecendo esse truque, tentei adotá-lo nesta minha visita ao dentista. Pode parecer uma afronta ao trabalho destes profissionais, cada vez mais qualificados, seja em conhecimento técnico ou em equipamentos, o problema é que tenho um verdadeiro pavor de encarar uma cadeira de dentista. Deve ser um medo que trago da infância, de um tempo em que as técnicas de tratamento dentário não eram muito avançadas, especialmente na pequena cidade onde vivia.

O Doutor chegou, explicou o procedimento e iniciou os “trabalhos”. Colocou alguns pedaços de algodão na minha boca como se fossem deliciosas balas. Enquanto a assistente manuseava o sugador como se estivesse brigando com a minha língua, ao mesmo tempo em que ele operava um daqueles aparelhinhos de barulho insuportável, que parecem ter mil e uma utilidades. Tudo isso acontecendo ao mesmo tempo e, ele ainda fazia parecer estar me fazendo um favor ao falar insistentemente: “pode abrir mais”, querendo que eu abrisse a boca além do suportável. Enfim, quase uma hora depois paguei a conta e sai feliz.

Eu havia fracassado na técnica de direcionar o pensamento para outra situação mais agradável, mas havia enfrentado o meu medo de dentista com coragem. Um pequeno avanço, mas uma superação pessoal gigantesca. Enfrentar um medo seja qual for, é um passo importante para a auto-estima e o crescimento pessoal.  Pode parecer uma coisa simples ou banal para quem vê o problema de fora, mas intransponível para quem tem que enfrentá-lo. Portanto, depois de tudo isso, posso afirmar que se você tem algum temor em enfrentar seus medos, enfrente-os assim mesmo, pois é bem possível que você se saia muito bem. Quanto ao meu dentista, daqui a seis meses eu voltarei lá e, se o medo insistir em retornar terei uma nova oportunidade para tentar desviar o meu pensamento para algo mais agradável e quem sabe superar mais esse bloqueio mental. Boa semana.