Das bizarrices do trânsito
Às vezes algumas situações cotidianas do trânsito me deixam perplexo.
Dia desses, ao deslocar-me até o local de labuta, que, aliás, encontra-se a uma distância de uns três quilômetros do conforto do lar, portanto, cinco minutos percorridos carro, tive o desprazer de observar situações idênticas que se mostraram, no mínimo, toscas.
Em duas ocasiões, ao chegar a cruzamentos, meu espírito apossou-se de uma vontade irresistível em virar à esquerda (forças proletárias malignas me forçaram a isso).
Assim, para tanto, sinalizei esta minha pretensão, e, pacientemente, me pus a esperar os automóveis que vinham na direção contrária. Afinal de contas, ao menos segundo o código nacional de trânsito, os mesmos teriam preferência de passagem.
Porém, eis que o motorista que vinha na direção contrária, tomado de cordialidade extrema, respectivamente acompanhada de estupidez na mesma proporção, pára o automóvel, e, sem qualquer motivo aparente, dá um sinal de luz seguido de um simpático gesto que indicaria “pode passar, meu chapa!”.
Passei, claro. Mas não sem antes imaginar quais palavras de baixo calão estariam sendo utilizadas pelos outros motoristas que, por estarem trafegando atrás do tal parvo, foram obrigados a, solidariamente, compartilhar a oferta desta cordialidade tão cretina.
Cabe lembrar que ambas as situações ocorreram em cruzamentos tranqüilos, sem grande fluxo de veículos, e que, dentro de um intervalo menor de dez segundos certamente eu teria conseguido espaço suficiente para a passagem.
Com o caso devidamente exposto, ponho-me agora a pensar nos motivos que levaram a ocasionar esta bizarrice automobilística.
A primeira e mais óbvia alternativa seria a total ignorância dos motoristas em relação a regras de trânsito, ou então uma incapacidade de raciocínio assustadora destes.
No entanto, tenho outra teoria a respeito deste fenômeno, muito embora uma hipótese não exclua a outra (afinal, a burrice é uma enfermidade contagiosa).
Não é de hoje que vemos por aí inúmeras campanhas da “educação do trânsito”, que procuram veementemente incutir noções de “cordialidade” aos motoristas, estes sujeitos brutos, rancorosos e sem educação.
Acho interessantíssimo como as campanhas em prol do trânsito sempre trazem palavras como “paz” ou “boa educação”, enquanto campanhas destinadas a, por exemplo, filmes pirateados, trazem expressões bem menos amenas. Ao menos nunca vi nenhuma campanha do tipo: “Tenha a devida deferência com os autores. Não pirateie filmes, por obséquio.”
Contudo, ao contrário do que se escuta por aí, há de se convir que o respeito às normas de trânsito em nada têm a ver com boa educação. Trata-se de seguir regras claras, escritas em bom português num livrinho que se intitula “código nacional de trânsito”. Logo, algo plenamente viável a qualquer pessoa alfabetizada. A quem porventura não souber ler, sugiro largar a atividade de motorista a fim ingressar em alguma outra carreira, para qual a alfabetização não seja necessária. Como a política, por exemplo.
É simplesmente ineficaz qualquer tentativa de ensinar bons modos a pessoas adultas, e, por definição, ao contrário dos eleitores, que já podem começar a lambança desde os dezesseis, os motoristas devem ter mais de dezoito invernos. Afinal, votar é notoriamente muito mais fácil do que dirigir, vide o nível intelectual demonstrado durante o hilário horário eleitoral gratuito.
Afinal, convenhamos: Cordialidade e lisura são modalidades que dificilmente podem ser aprendidas depois de certa idade: Se o sujeito não aprendeu nada sobre o tema até o décimo oitavo aniversário, não será depois de marmanjo que se tornará um ‘gentleman’.
Em suma, a questão básica em relação ao trânsito é seguir-se ou não a lei. Lei de trânsito, claro, que muito embora não ande lá muito na moda hoje em dia, por mais incrível que possa parecer, ainda é lei.
Porque polidez e a boa-educação, minha senhora, são apenas acessórios opcionais. E, pelo andar da carruagem, não serão itens de série tão cedo.