lembranças de um dia
O canário cantava bem alto e do meu quarto eu ouvia, o sol entrava pelas frestas da janela e tornava aquele ambiente em algo gostoso, eu espreguiçava ouvindo vários sons. Não demorou muito para eu sair daquele quarto. Já no corredor encontrei Maria, a empregada, passei por ela e nem a cumprimentei, acho que estava ainda dormindo, na sala, que era grande, meu pai já afinava seu violão de sete cordas e começava a tocar alguns chorinhos, músicas que até hoje gosto de ouvir. Lembro que parei e comecei também a tocar um chorinho chamado ‘sofres porque queres’, ele acompanhava muito bem esse chorinho, fazia as mesmas respostas do disco. Fiquei horas com ele tocando, mas a música que mais gostei de tocar foi ‘pedacinho do céu’, de Waldir Azevedo, às vezes me pergunto como um homem pode criar tantas coisas bonitas. Foi uma tarde e tanta aquela, depois do almoço fui para o bar do Zé, ele é amigo de nossa família há muito anos, aliás, desde que nasci ele já me conhecia. Ia ter lá uma vaca atolada, e pra que não sabe o que é vaca atolada, La vai à dica: vaca atolada é apenas mandioca com costela de boi cozidas na panela de pressão. É uma delícia!
O Zé também tocava violão, e adorava choro, acabou me convidando para tocar algumas músicas, na mesma hora voltei em casa e peguei meu violão. Meu pai perguntou aonde eu ia, respondi que iria tocar uns choros no bar do Zé, então ele decidiu ir comigo.
Chegando lá afinamos os três violões e começamos a tocar, eu estava maravilhado, dois violonistas de nomes na cidade tocando comigo. Foi muito legal, mas o Zé começou a fazer umas frases meio loucas e eu não entendia nada, meu pai para não ficar para trás começou a criar frases muito rápidas e o povo que lá estava achou isso uma maravilha, mas eu sabia que estava acontecendo uma competição entre os dois, com motivos que só músicos sabem. Teve uma hora que parei de tocar e deixei os dois improvisando, era uma verdadeira guerra, meu pai improvisava em tons menores com muita facilidade e meu amigo Zé não ficava pra trás. Teve uma hora que o Zé pôs o violão nas costas e começou a tocar, meu pai fez o mesmo, a garotada não parava de gritar. Foi uma tarde maravilhosa.