Tributo ao quase
Acontece de repente, em um lugar qualquer, em final de semana qualquer. Justo naquele dia que ela jurou que ia ficar deitada no chão da sala, ouvindo todas as fases musicais do Chico. Justo naquele bar de nome engraçado, que a fez torcer o nariz e não querer ir de jeito nenhum. Justo ele, quem poderia imaginar? Logo ele!
Ela estava só esperando aquela caipirinha de vodka e morango, mas quem aparece é ele, o dono da risada que faz solo na trilha sonora da sua vida. Naquele momento ela esquece de tudo, como se só ele existisse, como se só ele tivesse importância. As palavras fluem da sua boca e soam como poemas de Camões: melodiosas, serenas, ritmadas, suportada por uma voz grave, um tanto quanto rouca e ela sorri insistentemente a cada sílaba pronunciada. As outras pessoas ao seu lado viram estátuas de cera, imóveis e silenciosas e até a quantidade de vezes que ela pisca cai pela metade e ela começa a duvidar que realmente existam outras pessoas no mundo.
Ela tem vontade de se ajoelhar diante daquela amiga que a levou arrastada até aquele bar e criar uma oração de devoção. Quase que ela ficou em casa. Quase que aquele novo filme a levou ao cinema. Quase que aquela nova banda a levou para aquele bar de sempre. Quase que ela não ligou para ele e quase não o chamou para aquele bar de nome engraçado. Quase que ela continuou fazendo de conta que ele não estava dizendo o que estava dizendo e quase que ela deixou todos aqueles dois, três contras superarem o número infinito de prós. E o “quase” passa a ocupar o topo na lista de suas palavras preferidas e olha que ela sempre adorou “píncaros” e “vicissitudes”.
E ela começa a se perguntar: e se for verdade? E se for verdade que existe aquela pessoa que é sempre capaz de roubar seus pensamentos e te deixar feliz na mais cinza das quartas-feiras? E se for verdade que algumas coisas são pra sempre? E se for verdade que dá pra amar alguém que gosta de Oswaldo Montenegro? E se os clichês acontecem? E insistentemente ela se pergunta: e se for verdade?
E ela tenta entender como é que alguém pode se apaixonar tantas e tantas vezes pela mesma pessoa e como ela pode entre uma risada e outra, entre uma implicância e outra, de repente, daquele jeito ridículo, ter a certeza de que é ele.
Ele que a conhece melhor do que qualquer pessoa. Ele que adivinha seus pensamentos, completa suas frases e provoca os sorrisos mais sinceros com todo aquele mau humor e cinismo que lhe é tão peculiar. Ele que liga pra ela quase todo dia as 3h07 da madrugada para dizer que ela tem que parar de atender os inconvenientes que ligam de madrugada.
Ela que conhece cada defeitinho irritante dele e que, mesmo assim, consegue gostar tanto ou mais dos defeitos do que das qualidades.
E ela já pensa em formar um grupo de adoradores do “quase” e ela para de se perguntar “e se for verdade?” e já tem todas as certezas do mundo. O amor persiste, para ambos, desde aquele engraçado e atrapalhado dia de maio, sempre foi verdade.