CRÔNICA DE UMA VIAGEM - VI


Passava das quatro horas da tarde quando saímos de Porto Alegre com destino a Gramado. Objetivando apreciar a paisagem sempre muito linda das serras e as pequenas cidades por onde passaríamos, eu e Ana nos acomodamos nas cadeiras da frente com o motorista. Uma senhora já bastante andada em anos arrevesou o sobrolho na nossa direção porque também pretendia fazer o trajeto no mesmo lugar onde estávamos, enfurecendo-se por não encontrar o espaço devidamente à sua espera. Talvez achasse que tinha mais direito a isso que qualquer outro e ninguém poderia se interpor entre seus desejos e a consecução imediata deles. Não que ela tivesse alardeado tal assertiva, nada disso, mas ficou indubitavelmente perceptível em seu semblante toda essa emoção a ponto de o ar tornar-se rarefeito com seu olhar atravessado. Rimos dela feito meninos sapecas culpados por pregarem em alguém, às escondidas, alguma singela peça inconseqüente.

E lá fomos nós, então, pelas ruas de Porto Alegre descortinando novas paragens e outras já velhas conhecidas de tantas oportunidades mais em tempos idos pisando aquele solo gaúcho. A tarde exibia o sol ardente refletindo em nossas pupilas e obrigando-nos a usar óculos escuros, e o céu límpido, sem nuvens, desenhava o espaço de índigo como um mar suspenso na Via Láctea. Algumas cidades ficavam para trás à nossa passagem, pequenas localidades cujos nomes não guardei tamanha a vontade de por logo os pés nas artérias limpas de Gramado. Meu coração disparava de tanta expectativa e inusitada agitação sonhadora. Eis que novamente voltávamos à região onde a natureza fora bem mais benevolente que no meu sofrido Nordeste escaldante das caatingas tristes, do clima torturante, das secas provocadoras de desgraças e abandonos. No Sul a maravilha, o encanto, as chuvas em abundância, as plantas verdinhas e viçosas; no Nordeste a terra ressecada, as chuvinhas de verão em doses homeopáticas e pobrezinhas, a flora queimada pela inclemência dos raios solares. Diferenças acentuadas pela indiferença dos políticos com um solo tão rico de petróleo e capaz de produzir frutas tropicais para abastecer o mundo todo, entre outras inúmeras riquezas, como o Nordeste. Onde não existe falta d'agua porque seu subsolo é um oceano a ser perfurado, mas descaso, simplesmente isso.

Dá gosto dirigir pelas estradas que levam a Gramado. Atapetadas como veludo, sem buracos, bem sinalizadas, esse inolvidável primor próprio dos que amam a terra em que vivem. E por elas vamos deslizando sem encontrar nem mesmo o menor, o mais ínfimo pedacinho de pedra no caminho, tudo se mostrando lisinho, plano e bem cuidado. Um espetáculo do bem público administrado ao toque de carinho e dedicação. Embora sonolento devido a noite mal dormida no hotel mal cuidado e ainda naquele momento prosseguindo a viagem cheio de cansaço, o brilho do sol cuidando para intensificar o desejo de fechar os olhos e cochilar, não pude deixar de reparar esse expressivo zelo com as rodovias do Rio Grande do Sul, pelo menos por onde circulei. Grande exemplo a ser conhecido e seguido Brasil afora.
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 27/08/2008
Reeditado em 28/08/2008
Código do texto: T1149382
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