Arrastando a mala pelos corredores apinhados de passageiros, vai pensando na vida, preocupada e com tantas pendências.Uniforme e maquiagem impecáveis.A bolsa de mão pesada e o saco de roupas quase caindo.

Loucura, pegar o avião para outro país e deixar para trás tantos problemas. Reforçou o sorriso, cumprimentou os colegas e iniciou a rotina exigida.
Checou tudo, arrumou, contou e recontou o serviço de bordo. Preparou-se para receber os passageiros. Após quinze anos, ainda sentia a expectativa de iniciar a jornada de trabalho.
Uma coisa havia aprendido; nunca é igual, sempre existe um detalhe, ainda que pequenino para modificar e dar um novo enfoque.
Boas vindas, primeiro contato, um olhar simpático pode decidir tudo.
Começam o check de cabine e percebem que os travesseiros são insuficientes. Os poucos jornais são disputados.
A refeição vegetariana não embarcou, o filme já foi visto pela maioria e a reclamação é geral. 

O tempo  confinado em uma aeronave pode ser bastante estressante. O passageiro  enrolado em duas mantas recusa-se a devolver ao do lado, que está reclamando de frio.
 Correndo contra o relógio, pratos e bandejas, bebidas e sobremesas. A madrugada passa sem lembranças. Vigiando os fumantes que  tentam burlar as proibições, trancados nos toiletes. Mentamente, relembra todos os truques usados e verifica outra vez os banheiros.

A chegada ao  Aeroporto Internacional , rostos ansiosos,  emoções e reencontros. Da janela da condução aprecia a cidade, parques, ruas e avenidas. Até a natureza veste outra roupagem em tons de outono.
O que foi mesmo que estava  tirando o juízo? Contas pendentes, relações decadentes, a solidão que o tempo transformou em fardo? Parecem tão pequenas neste instante.
Ainda dá tempo para dar uma volta ou aproveitar o quarto cinco estrelas e relaxar. 
Resolve andar sem destino pelas ruas de Madrid. 

Vitrines, grandes magazines, novidades, enchem os olhos e convidam ao mundo da fantasia. 
Experimenta novas fragâncias, ganha uma amostra grátis da Lancôme, sente a seda macia das encharpes...

 
Saboreia uma comida completamente estranha. São experimentos. Gosta de provar pratos típicos. 
Lembra da enguia em Portugal, peixe e batatas fritas nos canudos  de papel , tão ingleses...queijos de todos os formatos e odores. Paris tem um mundo de opções, difícil resistir... E manter a silhueta.


 Sentada no velho café, acompanha as pessoas em suas idas e vindas. Imagina  quem  são e o que fazem. Cria vidas,  sonha acordada e o tempo passa. Duas colegas da tripulação, passam cheias de sacolas da Zara: - Está doida garota? vamos para o hotel, quer ser assaltada?

Mais uma noite longe de casa e não quer pensar em nada. Um banho quentinho, e as enormes toalhas brancas. Por enquanto a cama do hotel é aconchego, mergulha nos lençóis macios, cheirando a lavanda. Dorme tranqüila.
A volta ao Brasil. Mais correria, vôo lotado, passageiros irritados com os atrasos da companhia, descontam nos comissários. Serviço de jantar e o carrinho pesado sobe a ladeira:- Aceita pasta ou frango? Não, a carne vermelha ainda não está liberada.

Maldita vaca louca. Pela terceira vez explica que o grupo de terra acomodará as conexões. Ouve os mesmos desaforos. 
As desculpas soam falsas como a omelete requentada.
Retoca o batom e ajeita o cabelo. Serve o café da manhã e pousam em São Paulo.
Algumas horas depois, sobrevoando o Rio de Janeiro, o coração bate mais forte. A cidade maravilhosa , entre mil outras cidades...sempre será a mais bonita.
 A  volta pra casa, com a cabeça fria, as soluções parecem mais próximas.  O filho sentiu saudades e nem lembra o quanto foi malcriado na despedida. O namorado deixou mensagens no celular.
Respira aliviada, dois dias de folga e nova partida, desta vez para Miami. 
Com certeza vai dar um pulo no Bayside, apesar do cansaço. No D.O. pega a escala e confere folgas e vôos.

Vê o fretamento de uma agência de viagens, especializada em adolescentes.  O pesadelo de qualquer tripulante... Respira fundo, mas isto é outra história.
 
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 27/08/2008
Reeditado em 12/11/2016
Código do texto: T1149214
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