Brava Gente Brasileira

Botinhas de plástico rosa da Angélica, capa de chuva do Fofão, caderninho da moranguinho e olhos vesguinhos atraz das lentes fundo de garrafa, ela vinha sozinha pela chuva andando sem nenhuma graça.

Eu conheci a Vera na Escola Estadual Júlio Barbosa ou Barbosão como todos chamavam. Era mais uma menina perdida no meio da correria de pega-pega e esconde-esconde na hora do intervalo, depois que todos de pé de peito inflados terem cantando o hino nacional a correria era liberada pelo estrondoso sinal que parecia mais um grito de liberdade.

Ela era boazinha e franzina, me disseram pra não me aproximar porque ela tinha piolho. E eu tinha sete anos minha preocupação eram as figurinhas não completas do album do Chaves, ia lá me importar com piolhos?

Mas a verdade era que o motivo da distância era geográfico, Vera morava em uma favela, mais uma favela, poderia ser Heliópolis em São Paulo com seus 125 mil habitantes, ou a internacionalmente famosa Rocinha do Rio de Janeiro, quem sabe ainda a maior da América Latina a Petare em Caracas na Venezuela. Não essas são chiques demais, a verdadeira favela é a favela das favelas; Nairobi da África no Quênia. Bem não importa exatamente qual, opções não faltam, mas ela era marcada pela favela. Nas brincadeiras de mal gosto dos meninos sempre corria o nome dela: - É culpa da favelada da Vera! Seria mais correto flagelada, sempre que sumia algo na classe todos os olhares eram pra ela. Pobre Vera. Era filha da empregada de alguma professora que fizera a caridade de colocar a menina na nossa escola, isso ela não esquecia, ninguém a deixava esquecer.

A Vera cresceu eu nunca mais a tinha visto, até semana passada. Luís um amigo de um primo me disse que estava apaixonado, e que agora estava perdido porque queria casar com ela, no almoço de domingo, quem me aparece? A Vera. Bela Vera, lentes pra se livrar dos óculos, uma moça daquelas bonitas que chama atenção na multidão, olhar profundo e um rosto moreno sereno. Ela não se lembrou de mim, mas eu me lembrei dela.

O passado passou por mim com cara de menina arteira, na hora que a rimos das armações no Barbosão! Um amor de menina, Miss Simpatia original. Ela me contou como foi crescer na favela, e sair da favela, me disse que aprendeu a ser um daqueles eletrodomesticos que só faltam cozinhar sozinhos, tipo mil e uma ultilidades, lutou de verdade, era tudo o que qualquer um precisasse só pra sentir que tinha ultilidade que dela alguém tinha necessidade, disse que isso era um vício, ser pro outro tudo que era preciso, mas nunca achava alguém que fizesse isso por ela. Sempre foi a melhor em tudo, no trabalho, na escola a primeira da classe, tinha medo que alguém descobrisse quem ela era de verdade: uma favelada, e assim do nada a mandassem embora de volta pra casa ou para o passado. Porque ela não tem direito, de trabalhar, comer, e viver direito. É o flagelo da favela na vida de quem fez parte dela.

Mas Vera supera, é mulher brasileira de fibra, sua graduação em medicina pela USP ano que vem que o diga.

Esse é o hino de Vera:

" ..um povo heróico..brada redundante...

Conseguimos conquistar com braço forte.

Dos filhos deste solo és mãe gentil??

Vera é um filho teu que não foge à luta!

Pátria amarga,

Brasil!"

Alias
Enviado por Alias em 27/08/2008
Reeditado em 27/08/2008
Código do texto: T1148372
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