Caçando Vampiros e Bruxas
New Orleans!! Impossível acreditar que o congresso seria na terra da incrível Anne Rice, da qual eu era fã e cujos livros devorava tão logo aparecessem nas livrarias. Lestat, Louis, Armand, os Taltos, as bruxas... monstros e assombrações glamourosos e cheios de sensualidade e romance.
Claro que eu queria ir! Minha primeira – e única até agora – viagem ao estrangeiro e justo para a terra do Mardi Gras, das universitárias que exibem os seios nas varandas para os transeuntes que lhe atirem colares de miçangas. Nova Orleans, a terra do jazz, onde a música preenche as ruas, bares e esquinas, criando um clima nostálgico e, ao mesmo tempo, festivo. Região da fascinante culinária onde a cultura africana e cheia de mistérios e magia mistura-se ao tempero espanhol e ao refinamento francês.
Para completar, o evento seria interessante para o profissional de Tecnologia da Informação: meu caso.
Fomos. Embarcamos no vôo fretado que nos levaria ao reduto da tradição creole ao sul das terras de Tio Sam e após oito horas de viagem em lata, chegamos ao nosso destino. Um calor abafado e úmido dos vapores do Mississipi nos saudou à chegada, fazendo-nos recuar à porta do avião.
No ônibus que nos levou ao hotel, pudemos ter uma pequena mostra do que é a temperatura ideal para os americanos: enquanto os termômetros nas ruas registravam trinta e oito, quarenta e dois graus, a temperatura em qualquer birosca não devia passar dos vinte. Logo percebi que seria impossível acompanhar as palestras. Naquele frio, minha pressão vai a zero e ouvir e tentar entender a cantilena de termos técnicos em inglês era simplesmente impossível. O sono me derrotava antes da marca dos quinze minutos e, ao final do tempo regulamentar, já havia até babado, roncado e sonhado. Desisti.
Ronaldo, esposo de uma das colegas do meu marido era um dos nossos companheiros de viagem e também estava “de bobeira”. Assim como eu, estava pagando a viagem do próprio bolso. Ou seja, podíamos nos dar ao luxo de não acompanhar o seminário. À noite, o grupo todo batia perna pela cidade, jantando nos restaurantes da French Quarter e da Bourbon Street, ao som do mais legítimo jazz, visitando o fantástico parque oceanográfico e gastando em shoppings e mais shoppings. Ô povinho que gosta de comprar...
Mas, durante o dia, enquanto nossos digníssimos acompanhavam o evento, eu e o Ronaldo íamos, em passeio turístico, aos locais indisponíveis à noite. Visitamos museus de arte e militares (idéia dele) e a casa de Anne Rice (adivinha de quem foi a idéia?), agora convertida em lojinha onde são vendidos seus livros e todo o tipo de badulaques associado aos filmes e personagens. Perto de lá, fica o cemitério Lafaiete, citado por ela em algumas das tramas. Quis conhecer. Aliás, quis conhecer os dois. Ei! Não me culpe! Pode pesquisar: os cemitérios de New Orleans são considerados pontos turísticos da cidade, embora não sejam muito diferentes dos cemitérios existentes na maioria de nossas cidades de origem colonial. Os jazigos são como igrejinhas, com torres, imagens, grades, cruzes e orações gravadas em pedras de granito. No caso específico de New Orleans, as construções sólidas têm sua razão de ser: sem elas, as cheias do Mississipi arrastam caixões e seus ocupantes pelas ruas da cidades, arrancando-os da terra fofa e pantanosa. No de Lafaiete, que ocupa um quarteirão dentro da cidade, tudo é muito pequenino e apertadinho, mas no outro, os mausoléus são imponentes e estão distribuídos em grandes áreas verdes.
Este assunto está ficando meio mórbido, você deve estar pensando. E você tem alguma razão. Meu fascínio pelos textos da senhora Anne Rice tem qualquer coisa de tétrico. Até pela história de vida dela, que começou a escrever sobre vampiros por causa da filha, morta em tenra idade com leucemia. Na pobre criança, Anne teria se inspirado para criar Cláudia, uma menininha linda transformada em vampira por Louis em Entrevista com o Vampiro. De fato, sempre gostei de histórias de vampiro, lobisomem, assombração, possessões. Mas os cemitérios me atraem ainda mais. Gosto da paz e silêncio respeitoso desses lugares, gosto de ler as lápides, ver os testemunhos de saudade daqueles que ficaram, calcular a idade dos que partiram, imaginar suas histórias. E a curiosa arquitetura dos pequenos mortuários tem um quê de criatividade que me fascina. Às vezes, viajando de carro pelo País, percebo os muros brancos cercando espaços Odoricoparaguaçuanos* e tenho vontade de parar e entrar para conhecer. Pena que o marido não compartilhe dessa minha curiosidade...
Não, caro leitor. Não estou louca nem tenho qualquer atração pela morte. Pelo contrário, embrulham-me o estômago os enterros, a reza, o choro, as flores e velas. Recente, fui à despedida do pai de um amigo e enquanto me dirigia à capela onde ele recebia as últimas homenagens, passei por um grupo de pessoas que amparava e tentava consolar uma mulher, que chorava, gritando:
- Meu filho! Ah! Meu Deus! Por que levou meu filho?
Olhei para ela. Devia ter a minha idade, talvez pouco mais. Seu filho tão dolorosamente pranteado devia ser jovem. Muito jovem para morrer. Doeu-me a dor daquela mãe, seu lamento ecoou em meus ouvidos por dias. Eu, que nem filho tenho.
Digo isso para que fique bem claro que não é a Indesejada que me atrai nos cemitérios, mas as incríveis histórias cujos fragmentos me são apresentados nas informações dispostas nas lápides, nas mostras de cuidado ou falta dele em cada retiro. É diferente de ler biografias e exige imaginação para o preenchimento das muitas lacunas.
Tem gente que tem medo de cemitério. Diz que o ar é pesado. Tem gente que corre para tomar banho e, depois, lava bem roupas e sapatos para retirar qualquer vestígio de sua passagem por terras mortas. Eu não. Sinto-me perfeitamente à vontade nesses lugares.
Acho que é porque eu não acredito em vampiros, bruxas, lobisomens ou assombrações. Está cientificamente comprovado: eles mentem pra caramba!
* Referência a Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes na novela O Bem Amado.