Eu também amo.
Dado às ordens cada um de nós saiu para cumprir sua missão, seria fácil cercar aquela favela, aliás, fazer cerco em favelas já estava me fazendo ter pensamentos ruins em relação ao meu trabalho. Há muitos anos eu faço a mesma coisa, subir favela, pegar aqueles malandros que vendem droga e matam por motivos banais, enfim, eu tento levar a população alguma segurança, se é que isso é possível falar em segurança na cidade maravilhosa.
Tenho dois filhos, uma garota linda de sete anos e um menino de doze, não estou a fim de morrer, mas as balas passam cada vez mais perto da minha cabeça, um tiro agora acaba de acertar o retrovisor de minha viatura, e ela é a única barreira entre as armas dos traficantes e o meu pessoal. O CB Cabral está aqui, ele é um grande amigo de minha família, deixei uma carta com ele para ser entregue logo depois da minha morte, pois o medo de deixar uma família me assola o peito. Já fui a vários funerais de amigos da polícia, e a maioria da população nunca pensa que eles também têm famílias, têm filhos e amam a vida. Não quero morrer aqui no meio desse tiroteio, quero ver hoje ainda meus filhos e minha mulher, quero abraçar meu cachorro, e ver o pôr do sol, mas para isso tenho que cumprir mais uma missão, que pode custar à vida minha vida e a também a vida dos meus colegas.
Daqui de trás dessa viatura vejo uma criança de uns oito anos no meio do tiroteio, pelo rádio ouvimos os traficantes a mandarem entrar no meio do fogo cruzado para servir de escudo. Merda, são covardes, usam crianças inocentes. Uma mãe apavorada corre em direção ao seu filho, mas não consegue alcançá-lo, pois é morta, a tensão dobra de tamanho. Que homens são esses que matam apenas para colocar a culpa em outras pessoas? Acabamos de receber por rádio uma mensagem do traficante do morro, dizendo que se nós não sairmos vai ter mais morte.
Quero voltar para casa e ver minha família, quero deitar na rede da varanda, quero amar profundamente, quero tocar meu no violão um clássico da MPB, quero que essa guerra acabe.