Não Tire Esses Óculos...

Entrei no metrô e segui as instruções daquela voz que me atormenta todos os dias.

- Ao entrar no vagão, procure ocupar os corredores, isso facilita o embarque e desembarque dos demais usuários.

Segurei firme, com as duas mãos no ferro próximo ao teto, coloquei minha mala para frente e peguei um livro. As pessoas falando ao meu lado, o balanço do trem e a temível voz dos avisos me fizeram perder a concentração. Foi quando reparei em uma mulher sentada em um dos bancos cinzas à minha frente. Esses lugares são destinados à gestantes, deficientes e idosos. Achei engraçada a maneira como se portava. Fones em seus ouvidos, postura desleixada e óculos escuros construíam uma parede entre ela e nós, rostos cansados e irritados aguardando a hora do trabalho. Ali estava ela e mais ninguém em um raio de três quilômetros. Surgiu ao meu lado uma senhora, devia ter uns 50 anos, fez uma cara insatisfeita e ficou olhando para a moça, esperando alguma reação. Uma estação depois, outra mulher, aparentando mais idade que a primeira, fez o mesmo gesto de reprovação. A moça sentada mostrou-se indiferente, continuou por trás daquelas lentes como se nada acontecesse. Então vieram comentários, primeiramente em voz baixa, depois mais altos e mal-educados.

- Será que não vai perceber? – perguntou uma delas.

- Não, tem gente que só vê o que quer. – respondeu a outra.

- Deixa pra lá né. A gente ta acostumado a sofrer mesmo.

Eu queria rir, mas não podia, enfiei a cara no meu livro e tentei disfarçar lendo algumas linhas. Um sorriso reprimido desenhou-se em mim. Virei a página e ouvi mais reclamações. Elas suavam e retorciam seus rostos.

- Será que é surda essa daí? Vou demorar para descer.

- Nessa cidade ninguém ouve nada... Vagabunda...

Então o metrô chegou a uma estação onde a maioria das pessoas desembarca. A moça do banco cinza levantou-se e viajou suas mãos pelo ar, tentando se localizar, tirou uma muleta portátil de sua bolsa e tocou o chão. Abri espaço para que ela passasse, quase soltando uma boa risada. As duas ficaram com caras vermelhas e olhos de asno. Não sabiam o que dizer. Procuravam um buraco bem fundo para se esconder, mal se lembravam já estarem em um. Funcionários do metrô foram chamados para guiar a mulher até as catracas. Ela se foi, serena e sem dizer uma palavra. Mas antes de sair, poderia ter concordado com uma afirmação em especial:

- Tem gente que só vê o que quer...