Cabeça boa para pensar, mas ruim para lembrar.

 

MEMÓRIA




Busco nos cantos brumosos
de meu passado distante
lembranças bem escondidas
por nuvens negras e densas.
Entre raios luminosos
encontro a minha saudade
que retraída se mostra
molhando os campos da vida.
Chora o tempo, choro eu.
Entre nós uma vidraça
que reflete a tristeza
daquilo que já não lembro.
Chora a chuva lá na rua.
Chora a chuva no meu rosto.
O meu coração sangrando
já nem sabe por que dói.
Memória, triste memória.
você guardou bem oculta-
toda a dor do meu passado.
Mas não guardou  toda mágoa
que um dia senti na vida.
Hoje choro sem lembrança
do que derramou meu pranto.
 Sei que um dia a memória
voltará com toda força,
mas aí terei chorado
o que tinha que chorar
e rirei do meu passado.

 

 

Sinceramente não sei quando escrevi esse poema. Sei que é meu porque não tenho o hábito de me apossar de coisas alheias. Sei que é meu porque o publiquei aqui no Recanto. Mas, ao mesmo tempo não consigo lembrar o que foi que me inspirou a escrevê-lo. Lendo-o imagino tê-lo escrito em um dia em que eu estava muito triste, mas sem saber a razão. Mas não sei se já o tinha entre meus guardados ou se o escrevi especialmente para publicar. E o que me deixa mais doida é que não tenho a menor idéia de como vim parar aqui. Eu não consigo me lembrar como tomei conhecimento do Recanto nem como me cadastrei. Desde que percebi que já ia fazer um ano como dona de uma bela escrivaninha que venho tentando lembrar. Já devia ter me conformado com essa situação. Sempre soube que tenho cabeça boa para pensar, mas ruim para lembrar das coisas do dia a dia. Sou famosa nessa área: a área da lerdeza. Hoje, por exemplo, eu encontrei dentro de minha agenda profissional uma conta que deveria ter sido paga sexta-feira e embora eu soubesse disso não consegui me lembrar onde a havia colocado. Sábado fez dois meses que meu irmão morreu. Finalmente resolvi ir ao cemitério visitar seu túmulo. Quase entrei em pânico porque não conseguia me lembrar onde era o túmulo. Ora, eu conheço este túmulo desde que meu outro irmão morreu. Fui eu quem mandou fazê-lo. Já enterrei ali meu pai e dois irmãos. No entanto perdi completamente o rumo. E é assim que eu vivo, sempre esquecendo ou perdendo coisas. A semana passada, vivi duas situações que quase me tiraram do sério: na primeira, ao abrir minha agenda profissional, eu encontrei dentro meu talão de cheques desaparecido há um mês: fiz BO e sustei os cheques, perdendo um tempo incrível porque achei que tinha sido roubada. Quando fui fazer o BO encontrei um policial que eu já conhecia: há uns oito meses atrás tive que fazer um BO para notificar o desaparecimento de minha carteira de motorista e dos documentos de meu carro. Gastei tempo e dinheiro para consegui-los outra vez. Pois não é que, ao retirar do meu armário uma bolsa que eu não usava há muito tempo, ao abrir um de seus bolsos internos, lá estavam eles, os meus documentos desaparecidos! Bem, eu usei essa bolsa e guardei nela meu celular desligado. Adivinhem? Eu a guardei de novo e só agora à noite, ao sair para minha terapia eu o achei de novo. Já tinha cansado de ligar para ele, pois sabendo que é minha rotina esquecê-lo em qualquer lugar, nunca o desligo. Assim sendo fica fácil achá-lo: é só chamar de outro telefone. Mas já cheguei ao cúmulo de fazer isso, achar o celular e já fora de casa consultá-lo e ver um chamado de casa não atendido: então eu ligo e pergunto: vocês aí ligaram para mim? Eu deveria ter mil e uma histórias para contar sobre essa minha lerdeza, mas na verdade não estou conseguindo me lembrar de mais nenhuma. E eu, que sou tão independente, vivo precisando que alguém tome conta de mim. No departamento que chefio, por exemplo, quando vou saindo tem sempre alguém dizendo: MO, olha a bolsa, olha os óculos, pegou a chave? E o celular? Vou até anotar o pensamento que me veio à mente agora para discutir com minha terapeuta: será que esses meus deslizes não são apenas uma maneira de chamar atenção dos que me cercam para dizer-lhes: cuidem de mim, eu não sou tão auto-suficiente quanto pareço!