Uma oração indígena
Senhor, sabes tu que houve um tempo em que me lamentei não ter os olhos azuis, a pele branca e os cabelos claros. Admirava os nórdicos, os germânicos, os romanos dos filmes épicos, e sonhava ser um deles. O tempo passou e vi o quanto seria impossível realizar esse sonho. Ainda bem. Só tu sabes aquilo que é permitido. Estaria eu imensa e eternamente arrependido da asneira se por acaso tivesses atendido meu estúpido desejo. É que me conscientizei. Essa consciência estava em mim, no meu sangue, mas ainda não aflorara. Pulsa em mim o sangue de meus antepassados desta terra que dizem ter sido descoberta há 500 anos. Descoberta como? Meus ancestrais estavam aqui aos milhões, tranqüilos, serenos, belos, puros, ingênuos, com a pujança da raça, inclusive os amazônidas, tetravós dos tetravós de meus tetravós. Viviam como Adão e Eva num imenso paraíso terrestre, sendo dizimados pelo dilúvio da ambição do alienígena. Gostaria de abraçar ternamente cada irmão que resta dos antigos habitantes desta abençoada terra. E hoje, olhando-me no espelho, lamento não ter tão acentuado os traços de minha origem, assim como todos que devem se orgulhar de seus antepassados, sejam eles, brancos, negros, amarelos. Mas, com o que me resta, orgulhosamente me sinto índio. Não, eu sou um índio. E gosto de sê-lo, para sempre. Amém.
Castanhal/PA, 22 de abril de 2000