Sobre lobos e homens
Anoitece. O dia está no seu limiar entre a luz e a sombra, os objetos não se definem mais. É a penumbra. Contudo, isso não é o suficiente para a Patrulha Alfa. Pertencente ao 10º Batalhão de Infantaria da 3ª Brigada Pára-Quedista Norte-Americana, a Patrulha está incumbida de resgatar um Major capturado pelos nazistas. Só se ouvem os grilos e o Sargento Mark Bryan tem o honroso dever de conduzir seus exaustos homens até o Major John Champers, que certamente espera pelo resgate.
Bryan visualiza entre as folhagens um alemão. O inimigo. A vítima. O Sargento Bryan mirou na cabeça do nazista, começou a acionar o gatilho, quando tudo escureceu. É o fim! Era só o que faltava! Na empolgação do momento, Cristiam havia chutado o cabo de energia do computador e o desligara.
Já imaginava a zoação no dia seguinte, quando fosse para a escola. Seus colegas lhe chamariam de fraco, diriam que ele, sabendo que não ganharia o jogo, desligara o computador. E não era nem possível dizer-lhes que vencera aquela fase. Estavam jogando em rede e todos sabiam o momento em que ele se deslogara. Já decepcionado por seu ataque interrompido, olhou no relógio, mas não se admirou mais. Eram cinco horas da manhã. Nenhuma surpresa. Estava realmente na hora de deitar.
Assim como Cristiam, acontecimentos como esses já são rotina em nem tão poucos lares brasileiros. Infelizmente, muitos jovens extrapolam os limites entre diversão e vício, varando noites acordados jogando em rede, em chats, acessando todo e qualquer conteúdo na internet.
A popularização do computador, e isso é uma vitória, vem crescendo em proporções geométricas, mas a consciência dos novos riscos aos quais o usuário dos micros se expõe, não acompanha esse crescimento. Lembro-me que em 2000, meus pais compraram um computador. Foi motivo de festa lá em casa. Até então, eu morava com eles. Estava no colégio. Muitos colegas meus possuíam um exemplar destes e falavam sobre coisas que, por vezes, eram-me abstratas.
O computador que possuíamos era um 486, sem internet e com poucos jogos. A maioria era do tipo “Pac-Man”, “Snake” ou “Tetris”, aquele das peçinhas que deveriam preencher a linha para serem eliminadas. Muito aquém dos atuais Counter-Strike, Call of Dutty ou Age of Empires. Mas era possível ocupar aquela máquina para digitar trabalhos no Word para o colégio, fazer slides no Power Point para apresentar na sala de aula. Com o tempo, as máquinas foram evoluindo e as funcionalidades para elas, também. Passou-se a acessar páginas de empresas, sites de bate-papo e conversar com pessoas de outro lugar do Brasil sem sequer levantar-se da cadeira. Parecia-me que a evolução digital do homem havia chegado ao seu ápice. Mas ela nem efetivamente estourara. Evoluímos para as mensagens instantâneas com voz e imagem, para a televisão no monitor e por aí segue.
Mas armadilhas neste novo mundo, não faltam. É só você pesquisar o seu nome em sites de busca para ter uma noção do que falo. E como na internet, a identidade dos usuários é praticamente inidentificável, pois rastreá-la é uma tarefa muito árdua, quando não impossível, centenas de pessoas valem-se dessa premissa para utilizar a Rede Mundial de Computadores para praticar todo e qualquer tipo de ilegalidade.
Assim como o nosso amigo Cristiam, do início da história, muitos outros jovens entram em um mundo e nele permanecem por horas, alheios os fatos externos. E nessa fábula que um computador cria, rapazes e moças conversam, namoram, brigam, aprendem, se divertem e se perdem na enormidade de opções que a Grande Rede proporciona. Vale a pena ressaltar que boa parcela dos pais não está inserida no mesmo mundo de seus filhos. Por ficarem distantes dos acontecimentos reais ocorridos no mundo virtual, os pais passam a não acompanhar o desenvolvimento dos filhos.
Não estou aqui julgando nenhum pai, nenhum filho. Não tenho formação para isso e jamais teria tal audácia. Mas é se baseando em tristes acontecimentos que venho a fazer essas afirmações. É me amparando na reportagem da Revista Época do dia 11 de fevereiro deste ano, edição nº 508, que falo com pesar de um claro exemplo de má utilização da internet aliada à má influência de “amigos virtuais”. A reportagem fala sobre o gaúcho Vinicius Gageiro, 16 anos, que se suicidou em 2006 na própria casa, em Porto Alegre, estimulado por outros internautas. Por anônimos internautas. Pessoas as quais nunca saberemos o nome, mas que sabem o que fizeram e qual foi a conseqüência de suas palavras. O jovem Vinicius se autodenominava Yoñlu. Produzia músicas e as divulgava pela internet. Seu fim precoce foi relatado na reportagem daquela revista e alerta pais para esse problema seriíssimo.
Em abril foi lançado o disco póstumo de Yoñlu, através da Gavadora Allegro. Faço essa referência ao jovem, pois deixou-me muito triste ver o modo como partiu. Alertou, contudo, para mais uma armadilha que pessoas de mau caráter realizam. Alarmo os pais a este risco. Alarmo para a necessidade de verificar os sites que seus filhos acessam. Alarmo para acompanhar o crescimento, o desenvolvimento dos seus filhos, seja nesse mundo ou no virtual.