No segundo momento... (Maria Mal-Amada)

Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada

de Lorena de Macedo

No primeiro momento tudo é curioso. A luminosidade da euforia ofusca os olhos de pupilas dilatadas pelo interesse do corpo. Nada de certezas, apenas uma vontade incontrolável de saber por quê. Porque eu? Porque você?

A razão que foge ao ser me surpreende fazendo cara de distraída. Preciso parecer desinteressada. Totalmente alheia a qualquer manifestação que venha de você. No primeiro momento tudo é novidade. Coisa de sentidos, ouvidos atentos para qualquer suspiro mais profundo. Caras e bocas, um sorriso mascarado, segundas intenções...

O primeiro momento é tudo. Nada mais importante, excitante e estranho. Fico me perguntando o que uma pinta saliente no canto da boca pode ter de tão interessante, mas é apaixonante cada detalhe de um novo corpo. Você percorre as curvas do meu rosto com seus dedos compridos num gesto de atrevimento consentido. Permito que seja ousado e descarado no melhor jeito de me tocar.

Por algum tempo o primeiro momento se sustenta só. Flutua soberano por entre dias e noites de primeiras impressões. Nada pode ser mais certo do que a incerta sensação sentida na pele. É coisa de pele... Coisa de cheiro, de beijo certeiro, de abraço encaixado como peças de quebra-cabeça.

Sua barriga roçando na minha é coisa de primeiro momento. Mordidas delicadas no lábio inferior é coisa de primeiro momento. Olhar safado de quem sabe desejar é coisa de primeiro momento. Primeiros momentos são fatais.

Mas esse texto menciona o segundo momento em algum lugar. Não menos importante e um pouco mais desgastante é o segundo momento de tudo. No segundo momento tudo é descoberta. Cabeça aberta, palavras certas e a sua música preferida tocando sem parar.

Opiniões contrárias, gostos comuns e aquele brigadeiro de microondas que só eu sei fazer. Será que você ainda vai me querer depois do primeiro momento? No segundo momento nos mostramos de verdade. O rosto sem maquiagem, a calcinha de algodão de um tamanho confortável e o mal-humor de uma resposta seca.

Podemos nos gostar bem mais no segundo momento. Momento de discretas declarações românticas (o romantismo brega é coisa de quarto momento), terreno firme o suficiente para palavrinhas mágicas. Posso te odiar no segundo momento. Você pode querer me matar no segundo momento.

Você já reparou que pessoas casamenteiras não conseguem perceber a indispensável necessidade do primeiro momento? Tenho pavor de encontros arranjados. “Certeza que vocês dois vão combinar muito...”. Que frase estúpida! Como alguém pode ter certeza disso?

É tão difícil inventar desculpas para se safar das investidas insistentes de quem se acha competente para trabalhar de cúpido. Tento ser educada, dizer que não estou procurando ninguém no momento, mas deveria ser sincera. “Por favor, não me encha o saco com essa história de que tem um primo perfeito pra me apresentar só porque ele gosta daquela música antiga que você me ouviu cantarolar no mês passado”.

Preciso de primeiros momentos. Preciso da pele certa, do beijo e do aperto. Preciso do primeiro momento mesmo que não dure o suficiente para se chegar ao segundo momento. Estilos de vida parecidos é coisa de segundo momento. Descobrir que ele também teve um cachorro da mesma raça que o seu na infância é coisa de segundo momento.

No segundo momento a estranheza dos primeiros gestos dá lugar ao que é certo e sem pudor. Deixa o meu primeiro momento ser primeiro e necessário. Deixa que eu sinta formiguinhas nas minhas bochechas traidoras. Deixa de ser insistente e não se iluda com o argumento daqueles que ignoram o primeiro momento na tentativa de forçar um segundo momento totalmente sem sentido.

Seja feliz e me deixa acreditar que o segundo será tão bom quanto o primeiro.

Maria