ARTISTA VIAJANTE

Encontrei J.Cláudio numa dessas rodoviárias da vida.

Ele reconheceu meu pai apesar de tê-lo visto apenas uma vez na vida, há muitos anos atrás, e se aproximou.

Negro fusco, esguio, banho por tomar, barba por fazer e um longo sorriso no rosto deram-me a impressão primeira de um maluco qualquer.

Os sessenta e cinco anos conquistados, com muita alegria e labuta, premiaram-lhe com o direito a viagens gratuitas nos ônibus interestaduais para os próximos cem quilômetros.

J. Cláudio, com o tempo, só ficou exigente quanto ao conforto da viagem, porque direito é direito e por isso, é capaz de esperar horas a fio por uma vaga nos ônibus executivos.

Não carrega nenhuma bagagem de mão, apenas duas pochetes agarradas à sua magra barriga e sua história.

Vestido com um terno cinza puído e empoeirado, uma camisa branca dura e já amarelada pelo tempo e uma gravata listrada, J. Cláudio me fez lembrar Chaplin.Sua figura lhe faz parecer um vagabundo, entretanto, J. Cláudio é um músico, é um artista.

A cada cem quilômetros, ele é capaz de renascer e recomeçar e em suas pochetes carrega toda a sua história e todas as suas relíquias: um bilhete de alguém, um retrato 3 X 4 de um conhecido, um documento velho e rasgado com foto de um velho amigo. Tudo envolvido em papel de seda, guardado com o esmero de quem carrega algo muito valioso.

J.Cláudio não tem um cão, não tem família, só tem a arte como companhia e a próxima chegada a cem quilômetros.

O motorista do ônibus acena para ele, chegou a hora. Lá vai J.Cláudio sem rumo, sem ninguém. Ele segue adiante, sempre em frente, sem parar para esperar o que possa acontecer.

Forasteiro, lá vai ele sem destino, caminhando passo a passo sem saber onde vai dar, olhando o mundo com outros olhos, vendo com carinho a sua vida refletida na paisagem diante de seu olhar.

J. Cláudio não pensa em nada, continua a caminhada e nem se lembra de se cansar. E quando o seu corpo em frangalhos reclama, J. Cláudio arruma um tempo para o sono lhe reparar, mas não pára.

Existem muitos cem quilômetros pela frente e a arte e o artista precisam continuar.