Por que nos calamos?

Desde o nascimento, procuramos emitir sons a fim de comunicar o que sentimos e o que estamos a precisar. Com o passar de alguns meses, conseguimos articular nossas primeiras palavras e daí em diante somos falantes responsáveis por nossas falas. Aprendemos a maneira correta de pronunciar cada palavra e o contexto a que se adequa. Dizemos elogios, palavrões e frases feitas. Até este ponto tudo em ordem, repetir informações e dizeres, até papagaio faz.

A grande maravilha de falar está em dizer o que pensamos. Em usar nosso recurso inato como mecanismo de defesa, ferramenta de auxílio no dia-dia. Houve um tempo em que tornar público o pensamento, fosse falando, cantando ou escrevendo, era crime passível de exílio. Felizmente esse tempo acabou. Os exilados voltaram e com eles suas obras, ideias e marcas de reclusão. No entanto, ainda ficamos calados.

Observamos todos os dias crianças sem escola, trabalhando muito cedo para ajudar os pais e achamos que é normal, disfarçamos dizendo que é bom aprender a trabalhar cedo para dar valor ao que se ganha. Comentamos o fato, sentimos pena algumas vezes, mas ficamos calados. Acompanhamos os noticiários dizendo que mais uma CPI foi instaurada, nasce uma leve esperança de melhora. E quando nada acontece, ficamos calados. O planeta está derretendo. Os projetos ambientalistas são todos lindos, simpatizamos com eles, dizemos que é hora de fazer uma grande limpeza e salvar o que resta. Mas quando vemos alguém poluir, ficamos caldos.

Nas escolas, alunos e professores não se entendem. A educação não é satisfatória, mas ficamos calados porque o Governo deve estar pensando em fazer alguma coisa para mudar a situação. E não é da conta de mais ninguém providenciar que haja boa formação de jovens que salvem o planeta, que façam a política governamental ser eficiente e justa. Ficamos calados e deixamos por conta de gente que entenda do assunto.

Assistimos passivamente a tudo que acontece e influencia nossa vida. Aceitamos preços exorbitantes no pão, no combustível, na educação de qualidade, na nossa diversão. Vemos campanhas políticas de grande repercussão, com belos discursos, promessas sedutoras. Sabemos que a saúde pública é vergonhosa e que plano de saúde é iguaria de luxo. Trafegamos por estradas em péssimas condições, por onde também passam transportes escolares levando nossos filhos e contamos apenas com a sorte de que não aconteça nenhuma desgraça. E na hora de cobrar resultados, de escolher um representante consciente, nos deixamos calar.

De repente todos se tornaram mudos. E defendem-se dizendo que lutam todos os dias por sua sobrevivência, trabalhando. E ganhando uma remuneração simbólica por este trabalho, enquanto que uns poucos detêm poder aquisitivo suficiente para ostentar regalias inúteis. Somos humilhados, xingados em nossa condição de ser humanos e ficamos calados porque “precisamos disso para viver”.

Comodismo. Acostumar-se a uma rotina sagrada e a uma situação sustentável que nos deixa sobreviver de maneira quase satisfatória. Fechar os olhos e dizer que não temos tempo para mais nada além de trabalhar por nossa própria causa: por comida na mesa.Ficamos calados por que estamos cansados demais, estressados demais, ocupados demais. Ficamos calados por que no mundo de “eu sozinho”, nos adaptamos a olhar apenas pra frente, sem nunca prestar atenção ao que vai ao nosso lado e por que mais fácil ainda é fechar os olhos para tudo e calar a boca, não expondo o que pensamos. Assim não há riscos de comprometimentos, de sermos tomados por seres de opinião, que sabem o que buscam e sabem que se nos manifestarmos, podemos interferir na ordem natural do mundo; onde calar é uma sábia decisão.

Ediane Menosso
Enviado por Ediane Menosso em 24/08/2008
Reeditado em 10/11/2012
Código do texto: T1143806
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