OBSERVANDO O NADA
Não sou nenhum “pavão misterioso” e nem histórias tenho para contar.
Outro dia me vi escrevendo um poema . Aí bateu uma saudade do barulho de bonde e desejei perto de mim ouvidos que me escutassem dizer o tal poema. Não explico a saudade do barulho de bonde. Ouvidos não os tenho por perto, sou reclusa, situada em algum lugar, numa casa de muitas portas e janelas, sem sótão nem porão, onde arrasto as sandálias , ora no andar de cima, ora no andar debaixo, á procura de não sei quê, escutando o silêncio, observando o nada.
Desta conversa comigo mesma, de repente me dou conta de que não tenho mesmo nenhuma história para contar. Será....? E de quando fui criança? Do que me lembro, só um sentimento de inveja pela falta de um pai sempre ausente...
O que diria de mim ainda pequeninha... ? Só isto: Viagem. Regresso. um trem. Estação. Casa. Gente. Rostos tristes. Cheiro de incenso. De cravos. Velas. Um caixão. Dentro dele uma mulher. Minha mãe.
De mim adolescente...? Só sei que houve quem a mim dissesse: “ E tu aí nesse lugar, alma viva, afasta-te destes que são mortos”.
Li de Shopenhauer que, quanto à vida do individuo, cada biografia é uma história de dor: por quanto em regra geral, cada existência é uma série contínua de grandes e pequenas desventuras que cada um, é verdade, esconde o melhor possível, porque sabe que os outros raramente demonstram interesse ou piedade e quase sempre satisfação, à vista dos afãs de que no momento estão salvos; mas talvez um homem no fim da vida, se é que possui toda a sua razão e é ao mesmo tempo sincero, desejará recomeçá-la e, diante duma tal perspectiva, antes preferiria o nada..
Ah, sim, quanto ao poema, esqueci de salvá-lo, deve ter caído na lixeira do computador.