O repouso do guerreiro
Esta é uma daquelas histórias com moral, inspirada em diálogo entreouvido em capítulos no restaurante onde almoço algumas vezes por semana.
Ela, loura e linda, ainda não chegou aos 30. Ele, que já deve ter tido cabelos mais castanhos e em maior quantidade, atravessou o portal dos 50 faz tempo. E todo mundo sabe (ou deveria saber) que, ao contrário dos de menos de 30 que vão direto ao assunto e instantes depois estão prontos pra outra, após os 50, os preparativos e a recuperação são mais longos que a ação propriamente dita.
Ela, a cem por hora. Ele, em ponto morto, naquele interstício de fadiga e espera, em que o combustível que esvaiu-se do tubo ainda não chegou ao tanque original – coração e pulmões.
- Benhê...
- ...
- Benhê...
- Não começa, Maria Alice. Tira o dedo do seu pé da sola do meu.
- Uai, por que? Tá te incomodando?
- Está me desconcentrando.
- ...
- Não faz essa cara, querida. Eu sei onde seu dedinho quer chegar. Mas também sei que Ele aqui não vai a lugar nenhum. Não agora.
- Ta. Então vamos conversar.
- ...
- Fala alguma coisa, vai...
- Quem disse que precisa conversar?
- Não entendi...
- É, onde está escrito: na Bíblia ou no Kama Sutra?! Por que não falar tudo antes, durante??? Por que tem que ser depois?!
- Puxa, que mau humor, hein?!
- Chega pra lá, vamos dormir um pouco.
( ... )
- Benhê... pega um copo dágua pra mim?
- Outra vez?! Precisa ver se você não está diabética...
- ... com três pedras de gelo.
- Tem que ser agora?
- Por favor.
- Já vou pegar... daqui a pouco.
( ... )
- Armandô ... Continuo com muita sede...
Ele foi. Sem força e sem vontade, mas foi. Quando sentiu os efeitos do ar frio da geladeira, pensou em Laura. O que ela estaria fazendo àquela hora? Não sabia. Mas de uma coisa ele sabia: se ela ainda estivesse ali, não ia ter essa de puxar papo ou buscar água... O que ela dizia mesmo? Ah, que mulher que não cai no sono depois, é porque não gozou.
Bateu muita saudade naquela hora. Sem gozação.
Moral da história:
Na maioria das vezes, o prazer não compensa a fadiga.
Prefira peça compatível em série e ano.
Sobretudo, evite assuntos muito pessoais em restaurantes.
Acaba virando papo crônico. Ou crônica.