ÁLCOOL, UM CANTO DE SEREIA

Há mais de três décadas, participei de uma reunião onde se falava sobre alcoolismo; ouvi excelentes palestras. Um palestrante, porém, me chamou mais a atenção. Era um cidadão alto, bem trajado, dominava como poucos a língua portuguesa. Naquela noite, ele dizia: “Se entro numa sala de aula onde existam crianças estudando, posso deduzir se nos lares de algumas dessas crianças ocorre uso abusivo de bebidas alcoólicas pelo pai, mãe ou por ambos. Como? Pelo comportamento e expressões nos tristes rostinhos. A marca do sofrimento, traduzida pelo medo, ansiedade e muita insegurança, estará presente de forma inconteste na face desses jovenzinhos. Muitas dessas crianças são vítimas de agressões inenarráveis produzidas muitas das vezes por alguém embriagado, que na hora da agressão nem sabe o que está fazendo. O cérebro dessas pessoas, encharcado de álcool, não estará registrando o fato. Indivíduos em total “blackout” (apagamento/amnésia), portanto, numa condição irracional, poderão agredir fisicamente com uns pesados tapas, cometer estupros, estrangular, disparar um tiro ou esfaquear sem que, no dia seguinte, venham a se dar conta do ocorrido”.

Essa palestra, talvez pelas palavras chocantes, me deixou aterrorizado. Não fui o único. Outros ouvintes daquela sala deixavam transparecer claramente a mesma sensação de espanto que tive. Assim, eu diria, a palestra marcou.

Ainda continuo participando de seminários, simpósios, encontros, fóruns etc, e observo que os palestrantes agem de forma, talvez, mais pedagógica dos palestrantes quando o assunto é alcoolismo.

Fico me perguntando se existe uma receita que, com brandura e singeleza, possa atingir o ouvinte com a eficiência desejável.

Enquanto isso, a bebida alcoólica responsável pelos primeiros lugares nas ocorrências das violências urbanas e domésticas, nem é considerada pela população como uma DROGA.

A sociedade estimula e facilita o uso dessa droga lícita. Aliás, sabe-se que a ingestão de uma dose de bebida destilada (uísque, cachaça...), um copo de vinho, ou até duas latas de cerveja por dia, não deverá causar nenhuma espécie de problema a noventa e cinco por cento dos usuários. Mas existe um pequeno percentual de pessoas que por menor que seja a dose de qualquer substância alcoólica ingerida, ficam ruborizadas, com enjôos, dores de cabeça e outros desconfortos físicos.

Sabe-se, também, que menos de 15% de uma população de usuários de álcool vai desenvolver a doença do alcoolismo. Pena que esses 15% de futuros dependentes do álcool não venham com algum sinal visível que possa identificá-los. Aos usuários recreativos, cabe somente o risco de começar a exagerar nas doses e...

Informe-se sobre que tipo de bebidas os pais do calouro vitorioso no vestibular oferecerão na noite comemorativa dessa conquista. Incentivarão o uso moderado se for bebidas alcoólicas ou será na base do “hoje vale tudo, o meninão merece um porretaço!”?

Sugira a esses pais que um dia passem defronte às lanchonetes próximas a universidades para ver se os filhos deles não estão no meio de outros gazeteiros, ingerindo bebidas alcoólicas de forma abusiva.

Serão esses jovens estudantes, futuros profissionais em diferentes áreas, que vão dar atendimento, a nós ou aos nossos filhos, no amanhã.

Seremos ou não cobaias desses futuros inábeis e/ou incompetentes profissionais de bens e/ou serviços?

Enquanto as ondas vão e vêm, refinadas propagandas na televisão continuam não mostrando os casos de divórcio, homicídio, suicídio, desemprego, acidentes; e/ou, fígados cirróticos, pâncreas inflamados e outras patologias provocadas pelo álcool. Nelas, só aparecem belos ambientes recheados de belos carrões e jovens de corpos definidos, ou a indefectível e patética frase: BEBA COM MODERAÇÃO!

*Luiz Celso de Matos é Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos.

9/10/2005 18:28:50

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 22/08/2008
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