Chove, mas não molha
23/10/7
Falar sobre o tempo não é necessariamente um desperdício deste.
Consagrou-se como um assunto que sugere certo ócio nada criativo, embora haja neste tema, uma certa magia inegavelmente profética. Às vezes inútil, mas ainda assim reveladora:
- Bom dia, companheiro! Tudo na ordem regular dos acontecimentos?
- Bom dia, jovem! Tudo tranqüilo!
- Será que chove hoje, Valentim?
- Hoje chove. Pode ter certeza.
Dito e feito. Melhor que o SIMEPAR.
Ultimamente, já completo o diálogo com um:
- E que horas?
Nunca se sabe quando um guarda-chuva, uma capa, ou um agasalho será necessário por aqui. Curitiba é uma cidade que sofre de transtorno bipolar climático.
Um tipo de esquizofrenia geográfica. Há quem diga que é culpa do Feng Shui. Vai saber...
De qualquer maneira, é altamente estratégico prever o tempo numa cidade que amanhece a 0°C e geada, meio dia brilha o sol e a temperatura sobe pra para 30°C, e de tarde chove só pra dar uma lição naqueles que ousam sair antes das dezoito horas para evitar o trânsito: Devidamente molhados, terão que enfrentar um fim de tarde cinza, um frio repentino e conseqüentemente, um resfriado.
Tudo bem... Há um certo exagero. Na maioria das vezes o céu só fica cinza o dia todo. Há de se defender Curitiba: É uma excelente cidade pra quem gosta de cinza.
Propícia à poesia depressiva e ao suicídio.
De qualquer forma, falar sobre o tempo é algo interessantíssimo.
Pois, afinal de contas, nem todos acertam as previsões. A maioria é como eu: Picareta.
O sol brilha, e as nuvens são raras. Mas não interessa:
É só fazer ares de entendedor, e largar aquele chute. Pior que chute, uma canelada de zagueiro dentro da área na direção do gol (improvável, mas não impossível):
- Acho que vai chover.
Pra completar, o cidadão dá uma respirada, vê a inclinação do sol e a direção do vento e arremata:
- Daqui a pouco. E vai ser granizo. Vou sair antes que o trânsito fique impossível.
Se nem chover, os outros vão pensar: "E quem entende esse tempo doido?". Mas se chover... Ah, se chover granizo... Se chover granizo, o cidadão passa facilmente por druida, de poderes mediúnicos. O novo profeta da cidade.
Logo, tem-se aí, uma chance de estrelato instantâneo sem grandes esforços. Olhe pro céu e faça uma fé, que pode funcionar.
O problema mesmo é quando há dois ou mais profetas. Aí surgem os argumentos, que facilmente perdem o rigor científico:
- Claro que esfria... Esse vento do sul não me engana. Até o pé-de-limão já tá florescendo.
- Besteira, hoje é dia do padroeiro de Pirapora do Bom Jesus. Não chove nem fodendo.
Assim, muitos recorrem a argumentos técnicos:
- Pode até chover. Mas chuva rápida. Trata-se de uma nuvem da raça cumulus nimbus calvus, de densidade mediana.
Como é fato notório que apenas uma pequena e perturbada parte da população conhece as nuvens por seus nomes científicos, dificilmente alguém retrucaria. A não ser, para dar um blefe maior ainda:
- Claro que não, seu imbecil. A cor avermelhada da luz do sol sugere um ambiente rico em sulfato, o que nem em sonho criaria uma cumulus nimbus calvus! Obviamente, trata-se duma cumulus nimbus incus.
Daí pra frente, tudo pode acontecer. Inclusive nada.
Será que chove hoje?