Tormento cotidiano

Os carros passavam rapidamente ao lado da casa de Regina. O barulho deles afetava seus sonhos, rastros de luz ficavam pelas ruas. A moça era muito branca, seus cabelos ondulados, daqueles que causam vergonha ao amanhecer. Ela acordou às três da manhã, voltou a dormir. Depois, às cinco, despertou novamente, voltou a dormir, às seis, resolveu levantar e tomar banho. O despertador tocaria às sete. Colocou seu uniforme, olhou-se no espelho, sentiu vontade de chorar, seu corpo não era como queria e seus olhos estavam inchados, mas Regina não era fraca, recompôs-se e saiu de casa. Sentia dores no pescoço, cambaleava de cansaço indo ao ponto de ônibus. Escondeu-se na multidão aguardando o coletivo que, como sempre, vinha lotado. Nem todos puderam entrar. Após 15 minutos, mais um, ainda sem espaço, depois outro, Regina entrou. Era uma vida regada a paciência e automóveis. Ao descer do ônibus, passou por uma fileira de miseráveis, caídos pela rua e gemendo por moedas. Esquivou-se e entrou no trabalho. Era vendedora em uma loja de cosméticos, segunda a sábado, oito às dezessete, dias longos e entediantes.

- Meia hora de atraso Regina? Que maravilha... - disse sua gerente.

- É que o ônibus atrasou...

- Ao trabalho - interrompeu-a friamente.

Regina sentou-se em um banco alto, daqueles de pintor, esperou as clientes entrarem. Uma bela moça veio em sua direção.

- Posso ajudar?

- Não... Estou só dando uma olhada...

A rotina na loja baseava-se nesse tipo de diálogo, as clientes entravam, olhavam e iam embora, algumas até se maquiavam e depois saíam sem comprar nada. Aí a gerente chamava a moça, criticava seu tipo de abordagem e jogava suas cruzes em cima dela. As outras vendedoras tinham velhos conchavos e conseguiam lá suas vendas. Regina era novata, apesar de estar lá há um ano, parecia um manequim rondando os corredores da loja, sem empatia, sem expressão.Já era quase fim do expediente quando foi chamada na sala da gerente. Entrou.

- Regina, me dê um sorriso - disse uma vendedora, que também estava lá.

Regina olhou para o chão, então a gerente irritou-se.

- Regina! Está surda? Mostre-nos seu sorriso!

A moça sentiu-se humilhada, apertou as mãos até que as unhas cravassem na pele. Queria desabar em lágrimas, mas era forte, não mostrava fraquezas na frente de ninguém. Ergueu seu pescoço dolorido e moveu seus lábios, eles formaram um sorriso assombroso, sem vida. A gerente, desgostosa, pediu que saísse.Regina arrumou suas coisas e foi embora, não se despediu de ninguém. Sentia um grande vazio ao sair do trabalho. Não iria estudar, nem namorar, nem se divertir. Voltaria para casa, alimentaria seu pai e dormiria um sono picado pelos carros barulhentos. Viu sua vida se repetir dessa forma por anos e anos. Sentiu o sarcasmo de sua gerente em seu estômago, seus pêlos se arrepiaram. Ela poderia se livrar disso, transformar em lágrimas e gritos, mas estava em um ônibus lotado novamente, não faria um escândalo público.

Ao entrar em casa viu seu pai na cadeira de balanço. Seu amor por ela era intenso. Um ar de satisfação formou-se entre as rugas do velho homem. Ela era seu orgulho, uma moça que além de cozinhar, trabalhava fora. A felicidade daquele homem causava-lhe certo incômodo, ela não entendia como ele achava alegria em uma vida tão precária. Seu pai levantou-se com dificuldade e abraçou-a. Ocorreu-lhe a mesma sensação de pouco tempo atrás, mas agora a raiva havia sido substituída por um sentimento adocicado de pena. Ela não odiava mais a lotação, nem sua gerente, tinha dó de seu velho pai, mas não choraria em seus braços. Os dois assistiram a novela tomando sopa, o velho dormiu por ali mesmo. Regina cobriu-o e foi tomar banho, apagou as luzes para que fosse mais relaxante, sentiu a água quente envolver seu corpo na escuridão. O turbilhão de tormentos invadiu sua mente. Seu sono cortado, seu corpo, os ônibus lotados, os miseráveis, sua gerente, seu pai, a vida triste. Sua face tornou-se estática e seus olhos finalmente lacrimejaram, as águas chorosas camuflaram-se com as do chuveiro. Regina, até quando chorava, parecia não chorar.