I don't want to stay here...
6/7/8
Sinto um forte nó na garganta quando escuto alguém dizer que é de Salvador, Bahia. Um sentimento que pode ser definido como uma miscelânea de tristeza, inveja e desalento, quase sempre seguido de um suspiro sincero, de quem já sabe que existe um mundo muito melhor lá pra cima das bandas de Campina Grande do Sul...
Nasci e fui criado na fria e cinzenta capital paranaense, onde estabeleço residência até o presente momento, e desconfio que essa minha mágoa tenha nascido aos poucos, durante as duas vezes em que visitei a capital da alegria.
Há quem ache um exagero de minha parte, mas acredito que o ar daquele lugar contenha certa dose de felicidade no seu estado mais puro. Tanto é, que pessoas com pulmões desacostumados a respirar o ar baiano, podem apresentar alguns efeitos colaterais, como ataques de riso inexplicáveis, alegria convulsiva, ou até diarréia, sendo que esta última costuma ser injustamente atribuída ao acarajé e a tantos outros quitutes a base de muito óleo de dendê e pimenta.
Não costumo e nem gosto de falar sobre o assunto, mas em virtude de certas complicações clínico-geográficas no momento do parto, não pude ter uma vida normal, feliz e saudável: Ao invés de nascer em Salvador, acabei vindo ao mundo na gélida capital paranaense.
Portanto, como já iniciei a vida num engano ardiloso, já não tenho a menor sombra de dúvidas de que o universo conspira contra minha pessoa.
E pra piorar o quadro patológico, quando ainda bebê, acabei criando alguns problemas crônicos de saúde, como pele branca, cabelo loiro e olhos azuis. Sintomas típicos de pessoas não adaptadas ao astro rei, logo, condenadas a viver o resto de suas vidas a base de antídotos extremamente inconvenientes, tais como filtro solar fator trinta, guarda-sol, as mais estranhas pomadas e cremes para queimaduras, além do remédio universal contra a desidratação (ao menos, da alma): a cerveja.
Poderia ser pior, claro.
Porém não tenho a menor sombra de dúvida de que houve um erro logístico deste palerma inescrupuloso, chamado Destino: Eu, por óbvio, deveria ter nascido na capital baiana.
Aliás, sou praticamente um baiano, ao menos no tocante à agilidade do espírito, e ao controle de estresse. Só me faltam o verão eterno e um berimbau.
E pra quem não achou história suficientemente triste, além de todas estas mazelas, ainda há mais um infortúnio a ser gentilmente incluído nos anais da biografia deste que vos escreve estas mal traçadas: Fui acabar estudando engenharia elétrica.
Assim sendo, acabei me tornando um cara entediado, sem sol, sem mar, pálido (mais especificamente, cor-de-rosa), e proprietário de um “bimbim” (nada assombroso, mas até quebra um galho), enquanto poderia ser um afro-descendente descolado, exímio tocador de pandeiro e enganador de turistas, que arrepia na capoeira, mora na beira da praia e tem um “membro” de assustar as donzelas mais exigentes.
Em suma: Minha situação é lamentável.
E tudo isso por culpa dum pássaro estúpido que, provavelmente embriagado, errou as coordenadas do destino.
Um erro crasso duma cegonha parva, e que já não pode mais ser corrigido.
Como diabos alguém consegue confundir o elevador Lacerda com a Torre da Telepar, ou então, o farol da Barra com a caixa d’água do alto da XV??
Nada contra o bom e velho Largo da Ordem, que por ostentar um paradoxo no próprio nome tem lá a sua magia, mas que, convenhamos: Não chega ao nível de regozijo ecumênico encontrado no célebre Pelourinho.
O que mais precisa ser comparado? O cândido desfile de carnaval da Avenida Cândido de Abreu, e a folia “ad eternum” da capital baiana?
Ou quem sabe, um marzão azul, quase infinito, e o adubado lago do parque Barigüi?
É... Definitivamente, o inverno me incomoda.
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VOU-ME EMBORA PRA PASSÁRGADA
Por Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Passárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Passárgada
(...)
Em Passárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Passárgada.