Mais um livro é proibido em SC
MAIS UM LIVRO É PROIBIDO EM SC
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 20.08.2008)
Estava previsto para a quinta-feira da próxima semana o lançamento do livro intitulado "A Descentralização no Banco dos Réus", de Ivonei Raul da Silva, mais conhecido como Nei Silva, jornalista e dono de revista. Não se trata de um livro de ficção no sentido tradicional que se costuma dar à expressão "obra de ficção", embora possa ser enquadrado na vasta categoria dos livros de terror pelo simples fato de ter o dom de aterrorizar muita gente por aí.
Sobre o que discorre, afinal, tão arrepiante obra? Embora não a tenha lido, sabe-se que versa sobre tratativas encetadas nas zonas de penumbra entre representantes do governo do Estado de Santa Catarina e um órgão de imprensa virtualmente inexpressivo e de caráter regional: a revista "Metrópole", sobre a qual jamais pus os olhos em um único exemplar que fosse e sequer sabia da sua existência. Coisas que envolvem dinheiro e poder, chamadas pelas grandes corporações da iniciativa privada com as palavras atenuantes de lucro e hegemonia.
Em suma, a revista faria propaganda do governo antes das eleições de 2006 (quando o governador acabou reeleito), enaltecendo o seu carro-chefe da descentralização administrativa, e receberia 500 mil reais pelo serviço, dos quais teriam entrado em caixa somente 120 mil. Associado à divulgação destes termos, o dono da revista está sendo processado pelo crime de extorsão. Daí à idéia do livro foi um pequeno pulo. A obra foi editada com textos, cópias de documentos e fotos de gente sua ao lado de membros da cúpula do governo estadual.
Para evitar o horror de ver à luz do dia um livro assim, a 1a Vara Cível da Capital foi acionada. Por alguém do governo? Não: "Márgara Hadlich ajuíza a presente ação de obrigação de não fazer contra Ivonei Raul da Silva, Revista Metrópole e Editora Insular, alegando que na obra 'A Descentralização no banco dos Réus', de autoria do primeiro requerido, a ser lançada no próximo dia 28 de agosto, constam comentários que denigrem, de forma debochada, depreciativa e caluniosa, a imagem da autora. Ademais, há publicação de fotografias sem sua autorização. Requer, assim, a proibição da publicação e circulação do livro." E ainda pede a aplicação de uma "pena de multa no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)".
E quem é dona Márgara? Até outro dia, repórter da revista, mulher de confiança do autor do livro e seu braço direito na elaboração da obra.
O Juiz Vilson Fontana analisou cada texto e cada foto apontados como ofensivos à repórter e concluiu que "em princípio, não vejo comentário depreciativo, debochado ou calunioso contra a autora no escrito, a justificar a proibição da publicação e circulação da obra". E afirma que são "fotografias onde a mesma aparece em situações públicas e reunião de trabalho (estas também com pessoas públicas), não havendo qualquer prejuízo à sua intimidade, que resta preservada". Com isso, no dia 11 de agosto ele negou as pretensões da Sra. Hadlich.
O lançamento estava previsto para o dia 28. Agora o livro não sai mais por muitos e muitos anos, até "a tramitação de feitos na esfera criminal e civil envolvendo a questão". Pois a desembargadora Rejane Andersen determinou no dia 14, em decisão liminar, que fosse "vedada a publicação, lançamento e circulação da obra denominada: 'A descentralização no Banco dos Réus', sob pena de multa diária no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais)".
O irônico de tudo isso é que, há três anos, o dono da Editora Insular, Nelson Rolim de Moura, então presidente da Câmara Catarinense do Livro, esquivou-se de apoiar a Editora Garapuvu em caso parecido alegando que era preciso "esperar antes a decisão da Justiça"...
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Tempo de Eduardo Dias – Tragédia em 4 tempos", teatro, em co-autoria com Francisco José Pereira – exatamente, este, o livro da Garapuvu de três anos atrás... Ainda à venda – na Saraiva, por exemplo –, pesam sobre a obra três processos judiciais pedindo indenizações por danos morais e sua retirada de circulação.)