"Velhinha Esperta Pra Dedéu" =Crônica do Cotidiano=
Sacaneei uma velhinha. Mas foi ela quem provocou.
Eu estava em um bazar de coisas usadas, examinando os manu-domésticos (precursores dos eletrodomésticos) que nossas avós usavam, quando a “paçoquinha” aproximou-se e perguntou com jeito autoritário, despido de qualquer simpatia ou cerimônia:
- Você entende de computador?
- Dá pro gasto, senhora. Porquê?
- Estou querendo comprar aquele computador ali, mas não sei se vale a pena. Você examina ele pra mim? - Mais que uma pergunta, havia uma ordem implícita na frase.
- Pois não, senhora.
Confesso que examinei o pau-velho com certa má-vontade. A velhinha não tinha o menor resquício de simpatia e parecia agressiva no jeito de ser.
Abri o micro, esperei a área de trabalho, fucei nele todo com o mouse, e dei meu veredicto:
- Está bom, senhora. Pra idade dele até que está funcionando direitinho.
- E a Internet dele? Está em ordem?
Tive vontade de rir, mas em vista da idade da madame, respondi educadamente:
- Minha senhora, o computador nunca vem com a Internet. A senhora precisa contratar um provedor...
Ela me interrompeu grosseiramente:
- Já vi que você não entende nada de computador. Nada mesmo. Minha vizinha comprou um computador e foi só ligar na tomada que a Internet apareceu.
Procurei manter a paciência e explicar calmamente, mas fui novamente interrompido, e desta vez ela estava com cara de brava e de esperteza ao mesmo tempo:
- Já vi tudo. Você gostou do computador, viu que está barato e quer me desanimar de comprar. Confesse. Não é isso?
Quase respondi com um palavrão de médio porte, mas lembrei-me a tempo de minha divisa pessoal: “Minha educação NÃO depende da sua”, e preferi partir pra gozação:
- Confesso que é verdade, minha senhora. Meu sonho de consumo, há anos, é ter um desses “386”, a última palavra em informática. Quando vi que estava a cento e cinqüenta reais só, meu coração até disparou. Mas como a senhora o viu primeiro, o direito de comprá-lo é todo seu.
- Eu sabia! Me diga, a Internet dele está boa ou não?
- Está ótima, minha senhora. Olha aqui: se a senhora apertar esse botãozinho aqui, da direita, a senhora entrará na Internet pelo Speedy, se apertar do da esquerda, entrará pela Net e...
- E se apertar esse do meio, o que acontece?
- A senhora ficará com o SpeedyNet, que é duas vezes mais rápido. Além disso esse computador ainda tem o VL, que é uma Vaga Lembrança para quando acaba a memória dele. E tem também um enfeitador de cookies espetacular.
- Minha neta vive falando sobre vírus no computador. Como é que tira isso?
- Muito fácil, senhora. Está vendo essas janelinhas na frente do gabinete? Basta passar um algodão com água oxigenada que o vírus não entra de jeito nenhum. Desinfeta a entrada.
Satisfeita com minha “explicação técnica”, a educadíssima velhinha permitiu-se um sorriso e comentou com a moça que nos atenderia:
- Nessa vida a gente tem que ser esperta, menina... A tal dessa Net me ligou oferecendo Internet por um absurdo todo mês. Agora, você vê só, com cento e cinqüenta reais vou dar um presentão pras minhas netas.
Resolvi deixá-la mais animada:
- E a senhora ainda poderá dizer que é um EP de última geração.
- O que é esse troço? O que quer dizer EP?
- Era Paleolítica. Foi a fase de ouro dos micros pessoais. Coisa fina.
Depois que a velhinha se mandou com seu super-micro, devidamente colocado de qualquer jeito no porta-malas do carro, voltei a comprar o que me interessava, os livros antigos, e a atendente se aproximou:
- Seu Fernando, fiquei impressionada...
- Com os meus conhecimentos sobre informática?
- Não. Com a sua cara-de-pau. O senhor falou tudo aquilo, aquele monte de bobagens sem rir nem uma vez. Eu tava rindo só com a barriga ali no meu canto. Mas a velhinha mereceu. Cheia de maus modos e folgada pra falar com os outros...
Até agora não senti remorsos. Pode ser que mais tarde...