DONA TEREZA E OS SEUS GRILOS
Ainda deitada, espreguiçando-se, perguntou : que horas são ?
-Cinco horas – respondeu o marido
A indagação é feita por força do hábito. Há treze anos faz a mesma pergunta e recebe a mesma resposta.
Duas horas depois...
-Mamãe ! Mamãe! Não tem sabonete e a tolha está molhada! Minha blusa do colégio está passada? Já aprontou o café? – Indagações feitas de dentro do banheiro por Maria. Uma de suas filhas
-Não gosto de margarina no pão. Por que papai não compra manteiga? – Reclamações costumeiras da outra filha Cristina.
-Alguém viu o meu tênis? – O filho Juca, sempre à procura de alguma coisa..
Sem questionamentos, reclamações ou porquês, assim começam os dias de dona Tereza, na qualidade de pacata dona de casa, com todas as atribuições inerentes ao digno cargo.
Acontece que, naquela manhã , dona Tereza amanheceu “grilada”, pelo “avesso”, melhor dizendo. O motivo, nem sabia ao certo.. Culpou o colchão pelas dores nas costas , que de tão usado, já tinha delineado nele a forma de seu corpo. Existia um outro motivo: havia deixado de fumar. Não por vontade própria, mas por imposição dos filhos. O certo é que, embora gostasse da vidinha que levava, naquela manhã, não sei por quê cargas d ‘água, dona Tereza estava achando tudo uma bela droga. É como se de repente toda a trabalheira, obrigações e responsabilidades a sufocassem. E, de forma inexplicável , sentiu uma vontade danada de dar um chega pra lá nos seus domésticos e maternais treze anos de casada e sair por aí.
Para os simples mortais como ela, tal pensamento podia ser taxado de desnaturado. Afinal, o que ela queria mais, tinha um santo homem por marido, três filhos encantadores e levava uma vida, diga-se de passagem, que não era das piores.
E dona Tereza, num misto de revolta, soltou um... ora bolas! Marido, filhos, vida doméstica! Tudo isso é muito bonito mas não impedia que ela lamentasse a mediocridade da vidinha , da nulidade dos seus quarenta anos, da mente bitolada e da falta de aspiração pessoal.
Deus meu! Seria insensatez pensar assim?! – Questionou dona Maria... Mas o que dizer da sensação de sentir-se gado, de ter os seus passos restritos do curral para o pasto?
Pensou dona Tereza mais uma vez... - Se o seu mundo é estreito, mais estreita parece ser a sua visão . O que se pode esperar de uma pessoa como ela, que não passou de um primeiro grau incompleto e que lia tão pouco... Só o horóscopo. Mas, cadê tempo? É um tal de lavar, passar, arrumar casa, fazer comida, cuidar de crianças. Uma verdadeira roda viva. E quando conversava, não fugia à regra: problemas familiares, receitas culinárias, custo de vida, novelas da TV, de cansaço e dores nas pernas.
Entretida estava em seus pensamentos, que não viu a hora passar e assombrou-se pelas onze horas que já era. Virgem Maria! Ás favas os seus pensamentos, tinha mesmo que enfrentar o fogão .
-Mamãe! Mamãe! Chegamos!
Mamãe... Palavra bonita, não? Imaginou dona Tereza, e divagou... Ouvindo-a dá até para esquecer os “grilos” e tornar pequenino e insignificante qualquer pensamento negativo ou situação menos favorável.
- Hei mãe, que cara é essa, ta rindo sozinha? Qual é a graça? Cadê o nosso almoço? – A filha Maria.
- Olha mãe, se o almoço for igual ao de ontem, não quero! – Sua filha Cristina.
- Alguém comeu a banana que deixei aqui em cima da mesa? – O filho Juca.
E Dona Tereza anunciou: crianças, mesa posta! Sai um prato com batatas fritas, ovos e sardinha!
Algumas horas mais tarde...
-Olá – disse o marido
- Que horas são? – perguntou dona Tereza.
- Nove horas – respondeu o marido
O jantar está no forno. Ligue e esquente.
E permaneceu deitada, queixando-se de dores nas pernas e olhando para aquele homem de ar desconsolado à sua frente, tirando num gesto automático os seus sapatos surrados.E dona Tereza sentiu impulsos de dizer-lhe o quanto ainda o amava e que era feliz com a vida que levava. Mas, cadê jeito?
Naquela noite dona Tereza sentiu a alma leve e dormiu feito anjo.