Paris não é mais uma festa

Uns trinta e seis, ou pouco mais anos, roupa comum, mas nada vulgar, o cidadão que aparentava tranqüilidade entrou na redação do jornal.

Dia temperado e céu de um azul intenso e transparente, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O ar refrigerado do jornal mantinha a temperatura de vinte e dois graus. Ainda trabalhava na redação; só os mais experimentados e antigos gozavam do privilégio de enviarem suas matérias do conforto da casa ou onde estivessem. Bastava abrir o computador, ver o trabalho a ser desenvolvido, escrever e enviar. O rapaz que chegara à redação ainda não tinha este privilégio, mas quase todos que dele desfrutam, compareciam sempre no jornal: o contato com os colegas, hábito antigo, é necessário e saudável. Sempre têm idéias novas circulando, conversa amiga com velhos companheiros e muito disse-me-disse.

Nosso relativamente jovem jornalista vê o pedido. Escrever pelo menos 3.000 caracteres, o que vale dizer, aproximadamente duas laudas, sobre a suposta decadência turística de Paris.

Mas ele só foi à França há um ano, viu muito turista de bermudas em pleno centro de Paris, filas quilométricas para entrar nos museus, restaurantes e locais famosos.

Fila. Tudo fila, sucessão interminável desta chatice. Pouco pode aproveitar do seu pouco tempo para conhecer a cidade, respirar seu ar, ainda que poluído, falar com algum francês – de preferência com uma francesa – sobre assunto que não fosse ir ao Louvre, a Saint-Lazare, confundir a cabeça com uma sucessão de pinturas famosas, uma correria. Nunca vista com bons olhos pelos parisienses, que não fazem questão nenhuma de esconder o olhar com grau de desaprovação os invasores que tumultuam a cidade.

Sem saber como cumprir com a sua tarefa, pede auxílio a um conhecido colunista. O colega não se faz de rogado.

Começa dizendo que Paris não é mais uma festa, ao contrário do que Hemingway escreveu. É sim uma festa eterna, mas não nos meses onde os turistas assaltam a cidade, empunhando suas câmeras digitais e atormentando os franceses.

Não sabem, por exemplo, pedir uma taça de vinho tinto, com o inevitável acompanhamento de uma água mineral. Descansar vendo os transeuntes, alguns atarefados, outros vadios mesmo, estão estudando e nas horas de folga passeiam pela cidade como estivessem numa praia. O experimentado jornalista, que lá viveu dois anos, sabe muito bem que Paris é uma cidade de trabalho, de muito trabalho, onde são tomadas decisões importantes, relativas ao mundo atual. Não, a mentalidade turística não é esta, ele pensa que o parisiense é um folgado e as mulheres fáceis, disponíveis e sensuais... Coitado! Não sabe caminhar pelas margens do Sena, nem descer as escadas e conversar com um pescador, que pode ser um homem procurando seu almoço ou um investidor possante da bolsa, arejando a cabeça. Nada sabe sobre a vida do povo, mas dará aulas sobre a coluna da Place Vendôme. É a coluna feita com os canhões derretidos, usados por Napoleão, que arrogantemente encima a mesma.

Talvez ele não entenderá jamais o que seja ver um fim de tarde num bar famoso ou não, com suas cadeiras de vime na calçada, tomando um “coup de rouge”, um mesmo um destilado de frutas. O velho colunista arrematou: “uma framboise, por exemplo”. A framboise, destilado de framboesas, é apreciado na França tanto ou mais quanto a poire, o marc (destilado, gíria) de pêra que Ulysses Guimarães não dispensava...

Uma pena! A legião estrangeira, cada vez mais, aborrece a cidade e seus moradores.

Publicado, o artigo foi um sucesso! Para os franceses, é claro...

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 18/08/2008
Reeditado em 24/08/2008
Código do texto: T1133897
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.